quarta-feira, 25 de março de 2015

O TEMPO QUE RESTA

NOTA 8,5

Apesar de melancólico e abrir
mão de clichês maniqueístas,
longa reforça a ideia que até o
último suspiro a vida vale a pena
Ter medo da morte é algo comum. Na realidade a angústia que tal palavra desperta é quanto a consciência de que não haverá o amanhã, corrigir erros ou realizar desejos não será mais possível. Mesmo sem entrarmos em questões espíritas que defendem que a vida continua, de qualquer forma todos temos consciência de que com a matéria física morta é impossível aproveitar os prazeres e as desventuras que a vida proporciona. Tais pensamentos são torturantes, mas podem se tornar piores quando o fim da vida parece estar numa contagem regressiva e infelizmente milhões de pessoas vivem essa realidade por conta de doenças fatais ou em estágios terminais. Há quem procure encarar com positivismo tal período tentando aproveitar ao máximo a vida ou ao menos até quando os problemas de saúde permitirem, mas já pensou como deve ser angustiante viver tal situação quando o indivíduo se entrega a depressão ou faz um balanço de sua vida e acredita não ter feito nada de bom? Uma vida vazia assustando muito mais que a iminência da morte, esse é o mote do drama O Tempo que Resta, produção francesa cujo conflito é deflagrado por conta de uma doença silenciosa, ainda um mistério em diversos aspectos, que pega muita gente desprevenida e não tem idade para se manifestar. Na trama roteirizada e dirigida pelo eclético e famoso François Ozon, do suspense psicológico Swimming Pool, da sátira 8 Mulheres e da comédia dramática Amor em Cinco Tempos, por exemplo, acompanhamos dias difíceis na vida de Romain (Melvil Poupaud), um jovem e bem sucedido fotógrafo que se depara com a triste notícia de que está com um câncer terminal e que o tratamento seria complicado e com chances de não dar certo. A partir dessa descoberta, ele entra em uma jornada perturbadora e sua vida muda completamente. Homossexual assumido, o rapaz passa a não se entender mais com o companheiro Sasha (Christian Sengewald), se afasta dos familiares com quem já não cultivava um bom relacionamento e fica pensando no que ele vai deixar como legado após sua partida. Ele só tem coragem de contar sobre a doença para a avó Laura (Jeanne Moureau), talvez por ela já ser idosa e também estar na iminência da morte. A reflexão sobre sua breve passagem pelo mundo ganha mais força ao receber a proposta de engravidar uma mulher (Marie Rivière) com o consentimento do marido (Daniel Duval), este que é estéril. Este seria talvez seu primeiro e único ato em vida do qual se orgulharia, gerar um ser humano, mas ao mesmo tempo estaria traindo seus próprios instintos. Em meio a esse turbilhão de dúvidas, emoções à flor da pele e problemas, Romain tem que decidir quais serão seus últimos passos no tempo que lhe resta de vida.

De uma hora para a outra seu mundo perfeito desaba e ele entra em uma jornada de reflexões. Prefere ignorar o tratamento de quimioterapia por saber que outras pessoas fizeram e ficaram ainda mais debilitadas. Não quer levar adiante seu relacionamento homossexual por medo de em breve ter que deixar o companheiro causando-lhe uma dor que só o tempo poderia curar. Pelo mesmo motivo passa a tratar mal os pais e a irmã como uma forma de afastá-los naturalmente de seu convívio e assim amortecer o impacto da notícia de sua morte. Por fim ele se dá conta que sua vida foi um fracasso, que não deixaria nada de seu para perpetuar sua existência. Apesar de tudo, a doença acabou de certa forma trazendo um benefício à Romain. Mesmo com o sucesso profissional e aparentemente levando a vida pessoal seguindo suas próprias escolhas não adotando convenções para fazer os outros felizes, ele sentia que sua trajetória era um tanto insossa e esse novo momento acabou obrigando-o a olhar as coisas sob uma ótica diferente, diga-se de passagem, bem mais interessante. Cada vez mais introspectivo e criando barreiras ao seu redor, ele passa a observar o mundo detalhadamente através das imagens que capta com sua câmera fotográfica, impressões aleatórias do seu dia-a-dia que talvez pudessem servir com uma espécie de extensão de sua própria memória. O personagem ser fotógrafo não é uma escolha banal. Antes o rapaz captava cenas fúteis para catálogos de moda, mas após sua ruptura com a vida razoavelmente feliz que tinha e não sabia ele quer (embora não assuma verbalmente) que suas fotos do cotidiano ajudem a tornar sua lembrança eterna para aqueles que o conheceram e por que não um registro de sua passagem para quem por ventura apreciasse seu trabalho posteriormente. Em meio a esse turbilhão de pensamentos e emoções o espectador é convidado a participar de uma história difícil e a compartilhar as dúvidas que o protagonista tem afinal de contas seu problema de saúde infelizmente é muito comum e mesmo com tantos avanços da medicina parece que as estatísticas de novos casos da doença só crescem a cada ano que passa. Para quem gosta de histórias do tipo é impossível não se sentir no lugar do fotógrafo e imaginar o que faria em seus últimos dias de vida. Embora a temática central seja de apelo universal, é certo que a produção encontra certos empecilhos para atingir grandes plateias, sendo claramente um produto destinado a nichos específicos de público. O primeiro obstáculo a ser vencido é o preconceito quanto ao cinema francês. Ozon não abriu mão do característico ritmo lento e a obsessão por cenas contemplativas, mas o enfoque dado ao tema é extremamente interessante e passa longe do estilo convencional. Na genérica cartilha cinematográfica (entenda como as regras de Hollywood) tal obra poderia ser resumida como a história de um rapaz arrogante, mimado e egoísta que após receber a notícia de que tem pouco tempo de vida decide fazer tudo que até então tinha receio e reparar os erros do passado, consequentemente se tornando uma pessoa melhor e feliz, mesmo tal mudança acontecendo pouco tempo antes de partir. Quantos filmes você já viu desse mesmo jeitinho?

A mesma premissa em versão francesa é transformada em algo bem mais realista. Romain não se aventura em esportes radicais, tampouco decide viajar pelo mundo sem destino certo e nem tem lampejos de extremo desespero. Simplesmente ele encara a iminência da morte com toda cara e coragem e sua atitude de se afastar das pessoas que o cercavam pode ser encarada como uma postura corajosa em um momento que qualquer um desejaria o máximo de atenção. Além do ritmo lento, da ideia principal ser um prato cheio para cair no dramalhão e o risco de sua visão mais crua de como encarar a doença ser mal interpretada, outro fator que pode incomodar é a abordagem do homossexualismo feita abertamente, sem rodeios. As cenas de relacionamento amoroso explícito entre homens é feita de forma clara, o que pode chocar algumas pessoas. Até um local de orgias é retratado e há também sequências de relacionamento a três. Tais cenas no cinema francês são bastante comuns, porém, neste caso são tratadas de forma natural, sem traços de vulgaridade. Eis aí o grande trunfo deste filme. Nas mãos de um diretor insensível ou sem experiência, talvez o roteiro perdesse totalmente o sentido e se tornasse um show de sexo explícito ou de repente, como já dito, cairia na armadilha de ser apenas mais um emaranhado de clichês com mensagens edificantes. Quem aprecia a filmografia francesa já espera um produto bem superior e com conteúdo que não poupa o espectador, este que pode se sentir satisfeito ou até mesmo incomodado com que viu. O importante é não ficar passivo ao enredo e Ozon foi habilidoso e construiu um belo drama para levar o espectador à reflexão sem ser piegas. Não usou o recurso batido de fazer o protagonista reviver alguns momentos emocionantes ou de dificuldades de sua vida, pelo contrário, a narrativa privilegia o futuro, o que o rapaz fará em seus últimos meses de vida. Todavia, enquanto emagrece rapidamente por conta da doença e do desgosto, sua infância é relembrada, mas sempre pelo viés da descoberta de sua sexualidade. A última cena é tocante e deve figurar como um dos mais belos desfechos de todos os tempos, além de passar uma bela mensagem: não contemple a morte, mesmo que ela seja iminente, contemple a vida e tudo de bom que ela pode lhe oferecer até seu último suspiro. Dramático na medida certa, O Tempo que Resta é uma obra curta em sua duração, mas certamente suas ideias permanecerão por um bom tempo na mente de quem assistir. Recomendado a quem realmente estiver com o coração e o cérebro funcionando bem ou para aqueles que têm consciência de que todos já estão a beira da morte a partir do momento em que nascem. Cabe a cada um encurtar ou prolongar essa passagem de acordo com suas escolhas ou adversidades do meio em que vive.
 
Drama - 83 min - 2005 

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Um comentário:

marcosp disse...

olha que roteiro sensivel e brilhante, mas dá raiva o porque do protagonista se fechar tanto, mas independemente disso, é um filme até poetico, sobre vida, homossexualidade, familia e morte, a cena final é encantadora...recomendo!!!!!!!