segunda-feira, 30 de março de 2015

A FAMÍLIA ADDAMS

NOTA 9,0

Sarcásticos, excêntricos e divertidos,
os Addams são atemporais e preservam
sua essência crítica até hoje e ainda
encantam com seu estilo de vida mórbido
É muito interessante o apelo que o terror tem junto ao público infantil e o cinema sempre se aproveitou disso para lucrar alto. Claro que filmes de horror não são recomendados para crianças e até boa parte dos adultos também repudiam obras do tipo, mas tem alguma coisa no gênero que mexe com o emocional das pessoas, talvez o fator curiosidade seja instigante. De olho nisso, vira e mexe produtores tentam casar elementos de arrepiar às características das comédias, uma maneira eficiente de agradar a todas as idades e brincar com os gêneros. Bem, A Família Addams não é um exemplo típico desse tipo de produção, mas o estilo de vida bizarro de seus personagens centrais é o suficiente para classificá-los como aberrações. A excêntrica família que aprecia as cores escuras, se divertir com brincadeiras perversas e que vive em uma gigantesca casa antiga onde o sol parece nunca bater já foi cartoon, série de TV e desenho animado, mas certamente apareceu em sua melhor forma nas telas de cinema graças ao excelente trabalho do então diretor estreante Barry Sonnenfeld. Os Addams formam uma família totalmente fora dos padrões e que chega a dar arrepios às vezes com seus estranhos hábitos, mas eles no fundo são pessoas ingênuas e possuem bons corações, porém, tem gente querendo se aproveitar disso para faturar. Detentores de uma grande fortuna em moedas de ouro, eles são clientes do desonesto advogado Tully Alford (Dan Hedaya), que está em sérias dificuldades financeiras e na mira de Abigail Craven (Elizabeth Wilson) e de seu filho Gordon (Christopher Lloyd), seus credores. Essa dupla está disposta a fazer qualquer coisa para enriquecer e Alford tem uma grande ideia para se livrar das dívidas e ainda agradá-los. Percebendo que Gordon é muito parecido com Fester, o irmão desaparecido de Gomez Addams (Raul Julia), ele arma um plano para levar esse membro da família de volta ao seu lar após mais de vinte anos de ausência. Durante uma sessão espírita, tradição do clã, Fester retorna para a surpresa de todos, mas manter a farsa não será nada fácil diante dos olhares desconfiados de Mortícia (Anjelica Huston), Wednesday (Christina Ricci) e Pugsley (Jimmy Workman), a esposa e os filhos de Gomez. Porém, conforme o tempo passa, Fester acaba se habituando ao cotidiano excêntrico dos Addams colocando em risco os planos de sua mãe.

Por trás do verniz de comédia bobinha para divertir a família, existe aqui um filme que levanta pontos interessantes a serem discutidos por sociólogos e psicólogos. Os personagens foram criados na década de 1930 por Charles Samuel "Chas" Addams como uma reação a imagem do mundo bonitinho e perfeito que os americanos criaram para propagar a ideia de otimismo ao povo após a Primeira Guerra Mundial, embora estivessem passando pelo período da Grande Depressão. Era uma maneira bem humorada e simpática de fazer uma crítica implícita e sem ofensas, principalmente à aristocracia decadente. A série de televisão acabou transformando o cotidiano do clã em histórias mais leves para poder ser exibida, assim como os desenhos animados, dessa forma puderam conquistar também a audiência do público infantil. Não é a toda que foram justamente as crianças que mais impulsionaram a boa carreira nos cinemas dos Addams, uma mistura perfeita de humor de fácil assimilação, inclusive no aspecto visual, com o suspense e sadismo que tanto as instiga, mas que ainda não estão preparadas para curtir em doses cavalares. Dessa forma, esta comédia se transformou em um produto excepcional para entreter toda a família e de quebra ressuscitar o espírito crítico dos cartoons originais. No início da década de 1990, a estranha família retornava em grande estilo para mostrar, entre outras coisas, que o diferente estava sendo rejeitado ou humilhado, que a corrupção e os golpes penetraram na sociedade de forma irremediável e que o desemprego era uma triste realidade. Claro que para uma criança tais temas passam despercebidos, mas se um adulto também não consegue dissecar o roteiro a tal ponto não se preocupe, realmente fica difícil perceber esses aspectos sem saber a origem dos personagens e, principalmente, em meio a uma atmosfera extremamente lúdica. Contudo, mesmo antes do longa-metragem ser lançado, parecia que o estilo Addams de ser já estava bastante enraizado na cultura pop americana e quiçá de outros países. Por exemplo, o seriado de animação “Os Simpsons”, que na época da estreia do filme estava dando seus primeiros passos para conquistar seus fãs, exalava de certa forma o ar politicamente incorreto de Gomez e seus parentes. Muito antes disso, em meados dos anos 60, a série “Os Monstros” praticamente estava impregnada da essência das histórias criadas três décadas antes. Fora isso, ainda era possível se ver nas ruas os grupos de pessoas “diferentes”, como punks e góticos, assumindo suas personalidades e gostos, batendo de frente com os padrões impostos pela sociedade como ideais, sem medo de serem apontados como aberrações.

Além da história bem formatada, crítica e cuja tônica é dada pelo humor negro, impressiona muito a atmosfera conquistada para a produção. Os elaborados cenários que compõem a grande mansão são um deleite para os olhos, um verdadeiro parque de diversões que nos faz vibrar e gargalhar a cada novo e excêntrico detalhe que surge, desde um relógio tipo cuco personalizado, passando por instrumentos medievais de torturas e até um armário comum que abriga as roupas de um tio falecido, aliás, sobra espaço até para o próprio defunto lá dentro. Também vale a pena destacar o aspecto realista da obra que privilegiou trucagens óticas com a ajuda de marionetes, só abusando de efeitos especiais para fazer o popular Coisa, a mãozinha que não tem uma única fala, mas é um personagem de suma importância na trama criada por Caroline Thompson e Larry Wilson que foram muito respeitosos com o material original, afinal foi uma verdadeira batalha para conseguirem os direitos autorais que estavam divididos entre a viúva do criador e a produtora do seriado de TV, aliás a mesma que bancou o custoso projeto cinematográfico. O resultado final de A Família Addams é muito agradável, mas o processo de filmagem foi exaustivo a todos. Desde a complicada compra dos direitos autorais até seu lançamento muita coisa rolou. Uma carga horária de trabalho intensa para todos, problemas pessoais de alguns dos envolvidos atrapalharam a produção, embates de ideias entre diretor e produtor e até mesmo dificuldades para a escalação do elenco marcaram a produção. Anjelica Huston, por exemplo, ganhou um personagem que parece feito sob medida para ela, mas na realidade só assumiu o posto após a atriz e cantora Cher pular fora do barco na última hora. Azar o dela que perdeu a chance de participar de um projeto que ao que tudo indica era visto com dúvidas por muitos, mas que no fim das contas tornou-se um sucesso estrondoso e que hoje goza do prestígio de fazer parte das lembranças de infância de milhares de pessoas. Claro que sempre terá um chato de galocha para dizer que Sonnenfeld vendeu seu projeto aos gostos da indústria hollywoodiana e abrandou além da conta o humor ácido do material original para que o filme caísse no gosto das crianças. Bem, talvez se tivesse pegado mais pesado nas piadas o longa nem tivesse sido lançado. De qualquer forma, um clássico delicioso a la “Sessão da Tarde”. 

Comédia - 99 min - 1991 

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2 comentários:

Luís disse...

Eu realmente adorava esse filme. Aliás, adorava o desenho também! Eu acho que, embora não seja um filme grandioso, é uma obra que diverte e que entretém - além de ter boas interpretações de Angelica Houston, Raul Julia e Christina Ricci, que sempre foi impagável como Vandinha!
;)

renatocinema disse...

Gostava do desenho e adorei o filme.

Belo texto e sua análise com o lado "sério" da obra.

Parabéns