quarta-feira, 3 de agosto de 2016

INCENDIÁRIO

NOTA 7,0

Michelle Williams praticamente
carrega nas costas drama cuja
premissa soa estranha, mas que de
fato incendeia nossos pensamentos
Existem filmes que se iniciam de forma desinteressante e pouco cativante. Muitos espectadores têm o hábito de assistir alguns poucos minutos de uma produção e se não gostam da introdução não seguem adiante. O estilo de filmagem, o roteiro, o visual, as interpretações e a temática são alguns dos entraves que podem surgir na comunicação entre o filme e o público, mas algumas obras, ou talvez a maioria, que começam mal podem surpreender com o desenvolvimento da narrativa. Esse é o caso de Incendiário, um produto cujo título e premissa não soam como muito interessantes. Uma jovem mãe (Michelle Williams), cujo nome não é revelado, aparentemente vive feliz ao lado do marido, o policial Lenny (Nicholas Gleaves), e do filho (Sidney Johnston), também sem nome mencionado, porém, ela sente falta de amor no relacionamento com seu parceiro. Praticamente vivendo como amigos, o que indica que talvez a união entre eles foi forçada devido a uma gravidez inesperada, a mulher se sente instigada a conhecer um homem que avista pela janela entrando no prédio a frente do seu acompanhado de uma garota. Ele é Jasper Black (Ewan McGregor), um jornalista que gosta da fama de conquistador que tem. Propositalmente, certa noite a jovem vai até um bar em que o rapaz está e ele, obviamente, vê a chance de mais um nome figurar em sua lista de amores rápidos. Eles começam a ter encontros cada vez mais tórridos até que um dia são surpreendidos ao verem na TV ao vivo a explosão de um estádio esportivo enquanto mantinham relações. Era um ataque terrorista que vitimou o marido e o filho da adúltera que tinham ido assistir a um jogo de futebol por insistência dela. A partir de então ela está fadada a carregar, além da dor, a culpa de perder sua família por causa de uma atitude extremamente questionável sua.  
Até o ponto da história em que a mãe ganha contornos de vilã por ser a errada na situação, o que ocorre antes de meia hora de filme, é difícil acreditar que tal narrativa vá longe a ponto de surpreender. Como sofrer junto com uma personagem que de santinha não tem nada? Será que ela realmente está sofrendo com o corrido? O que é incômodo nesta situação é que a morte de pai e filho é presenciada pela protagonista enquanto ela estava mantendo relações sexuais com o amante. É esquisita a sensação que o contraste entre o prazer e o sofrimento da jovem proporciona ao espectador, mas não desista e siga em frente, pois é a partir daí que o enredo mostra a que veio e capta as atenções. Remoendo sua tristeza e remorso, a moça passa a receber atenção especial do amante e também do companheiro de trabalho do falecido, Terrence Butcher (Matthew Macfayden), o policial encarregado pela investigação do caso e que também demonstra interesse amoroso por ela. Assim começa o triângulo amoroso incendiário que o título faz alusão. De certa forma, os dois homens estão ligados ao fatídico episódio que acabou com uma família e ambos desejam estreitar os laços afetivos com a jovem viúva, o que poderia não ser bem visto pela sociedade revelando um lado promíscuo dela que teria como agravante o fato de viver na periferia, o que já implica em um preconceito implícito. Comportamento reprovável, procurando um relacionamento rapidamente após a perda do marido, levando uma vida simplória em um condomínio decadente, enfim tudo colabora para a imagem da mulher de classe baixa que vê na promiscuidade a válvula de escape para sua desagradável realidade. Essa visão é muito comum no Brasil, mas não é muito diferente do que ocorre em outros países, mas o enredo não se presta a esmiuçar o sofrimento da protagonista por conta do que os outros podem achar dela. O foco principal é a tentativa de reestruturar uma vida forçosamente despedaçada a partir das investigações que ela própria conduz em busca de respostas para o que aconteceu. Seria mesmo apenas uma obra do acaso o tal acidente? Quem o provocou?  Por que o repentino interesse por ela do colega de trabalho de seu marido? Estaria a própria polícia envolvida e querendo colocar panos quentes? A diretora Sharon Maguire, que ganhou fama com O Diário de Bridget Jones, foi muito habilidosa ao conduzir uma narrativa predominantemente dramática, mas contando com toques de suspense e uma aura de produção alternativa evidenciada pela importância dada a takes sem diálogos ou que contemplem os olhares e gestos dos personagens.
Michelle, figura praticamente onipresente no cinema alternativo nos últimos anos, faz aqui o papel de uma anti-heroína. Ela seria a mocinha da trama, mas sua própria personagem faz questão de relembrar a todo instante que está longe de ser um bom exemplo, alguém para se sentir pena. Ela tem consciência de suas atitudes erradas, de sua traição, mas procura a redenção na busca de evidências que constatem que havia um por que mais forte para a presença do marido naquele estádio justamente na hora da explosão do que o seu simples pedido para passar algum tempo livre sozinha. Ela consegue se aproximar da família do terrorista e se vê em mais uma complicada situação. O filho do chamado homem-bomba (Usman Khakhar) nem desconfia das atividades do seu pai e ainda sonha com a promessa de regresso que ele fez na última vez que se viram. Seria certo ela se vingar destruindo os sonhos de uma criança que nada tem a ver com os acontecimentos que a atingiram? Por fim, a protagonista acaba virando o jogo a seu favor e emociona o público com suas narrações em off das cartas que escreve como desabafo destinadas a Osama Bin Laden (na época vivo e refugiado) e também seu olhar triste quando avista no céu os balões em homenagem as vítimas do acidente. O filme é todo de Michelle. McGregor e Macfayden estão ali como coadjuvantes de luxo, apenas realizam seus trabalhos de forma competente, mas nada excepcionais. Baseado no livro homônimo de Chris Cleave, Incendiário possui uma dramaticidade peculiar e que nos ensina a ver o outro lado das coisas. O terrorista que aceitou a morte em nome dos conceitos e tradições da ideologia que seguia talvez não tenha pensado em sua esposa e filho, ambos que teriam que aguentar os eminentes apedrejamentos como se todos os árabes fossem “farinha do mesmo saco”. A moça de comportamento irregular aprendeu com seus erros e merecia uma segunda chance, mas a sociedade também precisa ajudar a abrir essa brecha, não é apenas uma tarefa dela. Enfim, esta é uma produção cuja dimensão e profundidade só teremos idéia bem depois do término quando pararmos para refletir. Vale a pena conferir.
Drama - 100 min - 2008 
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Um comentário:

Luís disse...

Lembro que fiquei curioso ao ver novamente Michelle Williams trabalhando com Ewan McGregor, já haviam, afinal, trabalhado juntos em Deception, filme que é bastante ruim. Ainda não assisti a esse título que você resenhou, mas confesso que há algo nele que me atrai e em breve eu pretendo conferi-lo, já que nutro simpatia pelos dois atores protagonistas.