NOTA 6,0 Longa aborda vários temas sobre o comportamento de famílias ricas, mas todos de forma superficial |
Alguns títulos são tão simplórios
ou unem palavras tão comuns ao gênero cinematográfico que pertencem que podem
acabar causando o efeito contrário ao desejado. Ao invés de chamar a atenção
acaba afastando o espectador, mas em alguns casos podemos nos surpreender com o
conteúdo como é o caso de O Diário de Uma Babá que mascarado
como uma típica comédia romântica oferece muito mais que uma simples história
protagonizada por uma jovem em busca de seus sonhos, entre eles um grande amor.
O longa faz uma abordagem crítica, porém, divertida sobre o universo das
famílias modernas e ricas americanas, mas uma alfinetada que serve para pessoas
de qualquer parte do mundo e de repente até independente da classe social que
representem. O roteiro mostra através dos olhos e emoções de uma babá o cotidiano
de um casal desajustado que vive um casamento de fachada e não tem tempo para o
filho pequeno. Annie
Braddock (Scarlett Johansson) é uma jovem recém-saída da faculdade que vive em
um bairro da classe operária de Nova Jersey. Ela sofre uma grande pressão de
sua mãe para que encontre logo um lugar respeitável no mundo dos negócios, mas,
decidida a fugir dessa realidade, aceita o emprego de babá de uma família rica
de Manhattan, a qual chama apenas de “os X” (um recurso esperto para evidenciar
a artificialidade do clã). Como costuma dizer, não foi ela quem encontrou esse
emprego, foi ele quem a encontrou já que acabou salvando um garotinho de ser
atropelado e rapidamente conquistou a simpatia da mãe do garoto, uma perua que
sabe como impor suas vontades simplesmente não dando a possibilidade do outro
discordar e nem mesmo concordar. Ela decidiu que Annie seria a nova babá do
filho e não tem mais conversa, ponto final. Animada inicialmente, logo ela
descobre que a vida não seria o mar de rosas que imaginava, pois precisa
atender aos caprichos da Sra. X (Laura Linney) e seu precioso filho Grayer
(Nicholas Art), além de evitar qualquer contato mais próximo com o Sr. X
(Paul Giamatti). Entre as tantas tarefas do novo emprego, Annie precisa cozinhar,
fazer compras e limpar a casa. Praticamente uma funcionária mil e uma
utilidades em atividade por quase 24 horas diárias. A situação se complica de
vez quando ela se apaixona pelo “Gatão de Harvard” (Chris Evans), vizinho da
família X, que a força a reexaminar sua vida e ver que ela está se submetendo
aos caprichos daquela família de ricaços e esquecendo-se de cuidar de si mesma.
Apesar deste gancho romântico, o longa não o aprofunda, até mesmo porque a
patroa da moça a proíbe de ter contatos mais íntimos com qualquer um, de preferência
nem mesmo saber quais os nomes dos vizinhos.
Todos sabem o rumo que esta história vai seguir. Apesar do regime de
escravidão ao qual é submetida, Annie não tem coragem de pedir demissão porque
se afeiçoou à Grayer e a recíproca é positiva. Se apegar a alguém da família
para a qual trabalha, este sem dúvida deve ser um dos maiores males da vida de
um empregado doméstico, mas todas as alegrias e tristezas da profissão foram
narradas em um livro escrito pelas ex-babás Nicola Kraus e Emma McLaughlin no
qual contam tudo o que passaram nos anos que trabalharam cuidando dos filhos
mimados de madames nova-iorquinas, estas que ocupadas trabalhando ou gastando o
tempo ocioso e o dinheiro do marido no shopping ou no cabeleireiro preferiam
ter o mínimo de contato com as crianças. Ao adaptarem a obra homônima para os
cinemas, os roteiristas e também diretores Robert Pulcini e Shral Springer
Berman, de Anti-Herói Americano, se
viram num dilema. Era melhor fazer um filme como se fosse uma crônica ou
apostar em uma trama convencional? Eles optaram por uma mistura de ambos os
estilos e o resultado infelizmente é só um pouco acima do regular. Eles
sobrecarregaram a protagonista transformando-a em narradora onipresente e
também personagem principal das situações que não só observa, mas também
participa de forma ativa. Quase como uma pessoa invisível, ela vê com desprezo
a futilidade da sua patroa, o descaso do patrão com os assuntos domésticos e os
problemas que os comportamentos dos pais causam no garoto, este que
inicialmente parece mal educado e ranzinza justamente por causa da maneira como
era cuidado pela família. Então entra em cena a Annie de carne e osso que vai
tentar fazer de tudo para esta criança ter uma infância feliz e saudável, impor
limites a mãe dele e fugir das paqueras do pai nos poucos momentos em que ele
está em casa (a câmera parece fugir de Giamatti para apresentar seu personagem
apenas de relance, uma metáfora visual ao comportamento dele). Fora isso, Annie
ainda tem que fazer o papel de mocinha romântica do longa vivendo uma relação
de morna para fria com um vizinho, briga com a mãe que não entende sua escolha
profissional e ainda faz uma pesquisa de campo com outras babás para saber se o
nível de exploração que elas sofrem é menor, idêntico ou até maior que o dela.
Com tantos temas a serem desenvolvidos em um curto espaço de tempo, todos
acabam sendo abordados de forma superficial culminando em um final previsível e
que joga panos quentes sobre qualquer crítica ofensiva que possa eventualmente
ter surgido ao longo da narrativa. Só resta saber se para aqueles que “a
carapuça serviu” o recado da conclusão também seja compreensível e colocado em
prática.
É nesse redemoinho de assuntos que se sustenta O Diário de Uma Babá.
Desde o início, quando é feita uma comparação entre a evolução das espécies antigas
com as atuais, até o final que revela o quanto o modelo da família feliz é uma
ilusão, fica nítido que a grande lição do filme é mostrar que dinheiro não é
tudo. Bens materiais e luxo não significam nada, principalmente para uma
criança quando não recebe amor e atenção dois pais. A temática é universal, mas
é certo que o problema como exposto no longa é bem mais comum entre as classes privilegiadas.
Quantas pessoas existem espalhadas pelo mundo ricas em dinheiro e bens
materiais, mas pobres em inteligência emocional e educação? Quantos ricaços
ainda têm a mentalidade medíocre de acreditar que ao dar o videogame mais
moderno e bombado do momento ao seu filho estão suprindo positivamente o tempo
de convivência que eles não cedem? Pais que trocam carinho pelo dinheiro
provavelmente sofreram algum trauma ou decepção no passado, mas não aprenderam
com os erros dos outros e continuam perpetuando ideais errados às novas
gerações. O Sr. X ainda mantém viva a imagem do homem que trabalha muito para dar
luxo à família e por isso não pode ser questionado quando decide se divertir,
fora de casa fique bem claro. A Sra. X, mesmo infeliz, preocupa-se muito em
manter as aparências, quer sempre ser obedecida e servida e não revela detalhes
íntimos do clã para ninguém, características que pode ter herdado de berço ou
adquiriu ao longo da juventude enquanto sonhava com seu modelo de vida ideal. O
fato é que Pulcine e Berman não podem ser acusados de fazer um trabalho
preguiçoso. É nítido que tiveram a boa vontade de apresentar uma obra que fosse
além de uma simples comédia romântica, mas talvez pela pouca intimidade com o
cinema ficcional e comercial ou até mesmo para atender as exigências dos
produtores que acolheram o projeto acabaram se atrapalhando. Sem dúvida haviam
excelentes ganchos a serem trabalhados, como o assédio do patrão a funcionária,
mas para manter o clima de “feel good movie” e a censura livre, os diretores
optaram em determinado momento por manter as atenções do roteiro sobre um tema
principal. Embora Annie e a Sra. X aparentemente pertençam a classes sociais
com poucos graus de diferença, o encontro das duas resulta em um grande choque
social e cultural e é com essa exploração que esta comédia acaba tornando-se um
programa um pouco acima da média, uma sessão da tarde que pode não ser das mais
ingênuas ou inofensivas. Uma opção que deveria ser obrigatória para certas
pessoas que acham que são as donas do mundo perceberem o papel ridículo que
representam para boa parte da sociedade (entenda-se de classe média para
baixo).
Comédia - 104 min - 2006
Um comentário:
Diverte, mas é mediocre como um todo.
http://cinelupinha.blogspot.com/
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