terça-feira, 22 de dezembro de 2015

ESTÃO TODOS BEM

NOTA 8,0

Com trama folhetinesca que
mescla estilo de cinema europeu
e independente americano, drama
conquista com temas universais 
O mundo mudou, mas o tempo não apaga o desejo dos pais em verem seus filhos bem encaminhados na vida. Por mais moderninhos que possam ser, que atire a primeira pedra o pai ou a mãe que não sonhou ao menos uma vez com um futuro brilhante para seus pimpolhos, incluindo a escolha da profissão que seguiriam? É a partir dessa ansiedade que se alicerça o drama Estão Todos Bem, versão americana do italiano Estamos Todos Bem dirigido por Giuseppe Tornatore em 1990. Com roteiro e direção de Kirk Jones, do simpático Nanny McPhee – A Babá Encantada, o longa nos apresenta a Frank Goode (Robert De Niro), um sessentão viúvo e aposentado que ocupa seus dias com tarefas domésticas como limpar a casa, cuidar do jardim e fazer compras. Aliás, sua última visita ao supermercado foi especial, pois ele comprou os ingredientes para uma refeição muito aguardada. Além do trivial, escolheu um bom vinho e até comprou uma churrasqueira, tudo para recepcionar com muito carinho seus quatro filhos para um almoço. Depois que se tornaram adultos e cada um seguiu sua vida em um lugar diferente dos EUA, há anos eles não conseguiam se reunir, mas este homem sabe que essa separação não é algo recente. Ele sempre trabalhou em uma fábrica de cabos telefônicos dedicando-se ao máximo para poder dar de tudo do bom e do melhor para sua família, mas só agora que está sozinho se deu conta que ao longo da vida dedicou pouca atenção a eles e não os viu crescer. Contudo, todo entusiasmo de Frank transforma-se em frustração quando cada um dos convidados telefona na véspera do encontro para avisar que não poderá ir mais, cada um com uma desculpa. Todos menos David, esse que nem chegou a justificar sua ausência. Só por esses minutos iniciais o longa já fisga a audiência. Os filhos estariam mesmo com problemas ou o passado da família é que os impedem de tentarem se aproximar do pai? Sejam lá quais forem os motivos, o elo com espectador já está praticamente estabelecido afinal de contas quem nunca passou por uma situação frustrante semelhante? Muitos pais que o digam, mas o amor incondicional paterno passa por cima de qualquer adversidade ou mal entendido e por isso Frank resolve fazer suas malas e viajar para visitar cada um de seus filhotes e em cada porta que bate uma surpresa o espera. Os rostos sorridentes e inocentes de suas crianças foram substituídos por feições abatidas e levemente tristes, mas custa para este senhor à moda antiga compreender que nada mais é como antes e que os planos que traçou para cada um deles não vingaram. A sensação de decepcioná-lo seria o motivo do afastamento destes jovens adultos, mas existe um agravante na situação.

Apesar de o filme ter sido lançado no Brasil com uma campanha de marketing discreta e que vendia a ideia de uma comédia açucarada, não se engane. Este é um daqueles filmes que se assiste pensando na própria vida, no caminho que seguimos. Sendo assim, possivelmente muitos podem se emocionar e até chorar ao verem a transformação do protagonista que pouco a pouco deixa sua inocente felicidade ceder espaço a amargurada realidade. A cada visita que Frank faz, as lembranças de quando seus filhos eram crianças voltam a tona na mente deste senhor que, como diz no início do filme, ajudou muita gente a se comunicar com quem estava longe com seu trabalho, mas ele próprio não conseguiu sustentar um relacionamento saudável com seus familiares quando eles estavam tão próximos e sem a necessidade de um telefone para intermediar as conversas. Agora os jovens vivem uma realidade totalmente diferente da que o pai sonhava, mas tentam passar a imagem de que está tudo bem para não magoá-lo ainda mais já que em breve ele terá de lidar com uma difícil notícia. Amy (Kate Beckinsale) não é exatamente uma fracassada. Mora em uma confortável residência, gerencia uma agência de publicidade, porém, parece ter dificuldades em administrar os problemas de convivência com o marido e o filho. Mais sensível, ela acaba dando dicas sem querer de que existe algo errado na família Goode. Robert (Sam Rockweel) é surpreendido por Frank enquanto estava ensaiando com sua orquestra. Percussionista erudito, o rapaz mostra-se satisfeito com sua ocupação, todavia, deixa latente que ficou incomodado com a decepção do pai que sonhava que ele fosse um maestro de sucesso. Por fim, Rosie (Drew Barrymore) tornou-se uma dançarina, mas reclusa em sua casa praticamente escondida dos irmãos, mas apesar de sua aparente introspecção demonstra ser a mais receptiva em relação a visita inesperada de Frank, ainda que confesse para o próprio que alguns assuntos são difíceis de se falar com ele e que por muitas vezes se sentiu na obrigação de mentir. Mas falta ainda o quarto filho, o artista gráfico David. Pois é, simplesmente ninguém tem notícias dele e todas as tentativas do pai em fazer contato não surtiram efeito, o que no fundo já lhe deixa com uma estranha sensação de vazio. E com tal quadro o aposentado compreendeu tardiamente a mensagem do ditado que diz que dinheiro não traz felicidade e para ele ser pai significava justamente sustentar materialmente a família e traçar caminhos para a mesma. Preocupado em exigir deles o melhor no futuro, acabou não vivenciando o passado como deveria e a relação pai e filhos neste caso se transformou em contatos praticamente entre estranhos, embora os jovens implicitamente demonstrem algum carinho protegendo Frank de uma grande decepção. Vale destacar que a narrativa por vezes é intercalada por memórias em flashbacks do passado da família Goode, um recurso certeiro para amolecer o coração do público e para que o protagonista reavalie sua trajetória, mas será que ainda há tempo de corrigir os erros do passado?

Abordando assuntos relevantes, cotidianos e de apelo universal, é muito fácil se envolver com esta narrativa, embora sua lenta condução possa se tornar um empecilho para alguns, mas um problema relativamente bem solucionado pela constante mudança de cenários que transformam este drama em uma espécie de road movie (produções que enfocam viagens nas quais os protagonistas fazem contato com diversas pessoas, conhecidas ou não). Certamente todos alguma vez na vida já tiveram uma figura como Frank em seu caminho. Seu pai, sua mãe ou qualquer outro tipo de responsável podem ser ou terem sido muito bons e compreensíveis, mas dificilmente nunca fizeram alguma imposição ou proibição visando o melhor para você, podendo em alguns casos tal zelo passar dos limites do tolerável. Os dramas vividos por cada um dos jovens do filme também são bastante interessantes e compartilham semelhanças com situações da realidade. Quantas pessoas podem dizer que realmente são felizes? O número de frustrados deve ser bem maior, muitos casos possivelmente provocados justamente por pessoas que não conseguiram realizar seus sonhos ou de seus pais, e quando adultos é preciso saber administrar essa decepção para não cair na espiral negativa de bebidas, drogas e depressão. Por este viés este trabalho fisga em cheio o espectador mais sensível, pois é quase impossível não enxergar os personagens como pessoas reais e as situações que vivenciam acabam levando à reflexão, pensar como você está direcionando sua vida e porque não como seus atos e ideais podem acabar influenciando positiva ou negativamente a vida de outros indivíduos. De Niro demonstra muita sensibilidade na construção do protagonista, um talento pouco conhecido seu visto que seus papéis mais famosos são de valentões e mafiosos. É perceptível a sensação de decepção de Frank pouco a pouco, uma preocupação que aumenta visto que ele ainda sofre com a perda da esposa e possui problemas respiratórios relativamente sérios. Sua atuação pode não ser excepcional, mas consegue emocionar na medida certa sem se sobressair ao elenco mais jovem. Na realidade, a emoção é a verdadeira protagonista desta obra, sentimento presente tanto no visual quanto nos diálogos da primeira cena até os créditos finais. Em tempos que fazer uma refilmagem de um bom longa estrangeiro quase imediatamente ao lançamento do original parece uma regra para agradar ao público americano que não gosta de ler legendas não agrada as dublagens, chamou a atenção de muitos quais seriam os motivos que levaram Jones a resgatar uma obra tão antiga e esquecida do cinema italiano, ainda mais porque ela não foi um grande sucesso quando lançada e no século 21 o nome de Tornatore não tem mais o peso de antigamente, sendo facilmente classificado como um cineasta de um trabalho só, o famoso e premiado Cinema Paradiso. Bem, podemos interpretar a decisão de Jones como algo muito positivo, a prova de que uma boa história não envelhece e seu valor continua intacto independente do sucesso. O tempo passou e espera-se que hoje a mensagem de Estão todos Bem seja bem assimilada, ainda que as relações humanas tenham piorado. Mesclando o estilo europeu com a linguagem do cinema independente americano, mas aderindo a nomes famosos para justificar seu intuito comercial, esta é uma obra edificante perfeita para ser ver em família e repensar ou melhorar o relacionamento entres os entes. Mesmo com um final melancólico, de certa forma ficamos realmente com a sensação de que estão todos bem. Tanto no filme quanto na realidade... Na medida do possível.

Drama - 99 min - 2009 

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Um comentário:

Rafael W. disse...

Um dos filmes mais cativantes de 2009. Eu adorei!

http://cinelupinha.blogspot.com/