terça-feira, 19 de janeiro de 2016

A DAMA DE FERRO

NOTA 7,5

Atuação de Meryl Streep
acaba sendo muito maior
que o próprio filme em si
acusado de manipular fatos
Poderia uma interpretação excepcional salvar um filme ou simplesmente ela se mostrar muito maior que a produção em si? É um equívoco uma grande atuação em um longa irregular? Tais indagações certamente devem surgir para aqueles que não assistiram, mas leram os inúmeros comentários negativos sobre A Dama de Ferro, um polêmico trabalho que enfoca a trajetória política e pessoal da ex-primeira ministra britânica Margareth Thatcher, uma das mulheres mais importantes da História política mundial. Críticos do mundo todo se demonstraram pouco receptivos ao longa chamando-o de medíocre, fraco, tolo, mentiroso, manipulador, entre outras tantas coisas nada amistosas. Unanimidade mesmo somente foi o consenso de que mais uma vez a atriz Meryl Streep deu um banho de talento e competência interpretando a ilustre personalidade e merecidamente foi laureada na maioria das premiações da temporada. Ela bateu seu próprio recorde de indicações ao Oscar chegando a nomeação de numero 17 e surpreendeu conquistando sua terceira estatueta dourada quando todos, inclusive a própria atriz, acreditavam que só era questão de tempo para a Academia de Cinema lhe oferecer um troféu pelo conjunto da obra. Felizmente, os membros votantes ainda têm um ou outro momento de lucidez e premia quem realmente merece sem pensar na matemática absurda das vezes que um candidato foi indicado ou sagrou-se vencedor. O grande ponto que desagrada muita gente é que o roteiro de Abi Morgan não se propõe a ser uma muleta para uma aula de história ou de política esmiuçando com clareza e imparcialidade o porquê da Inglaterra ter se tornado uma nação tão próspera e a participação da ex-premiê no conflito da Guerra Fria. Governante do Reino Unido entre 1979 e 1990, Margareth tinha pulso firme e decisões próprias, dificilmente alguém a persuadia. No filme, os fatos da vida pública são contados em paralelo aos acontecimentos de sua vida privada, mas jamais a protagonista é julgada ou condenada por seus atos. Simplesmente os episódios são contados pela ótica da protagonista, assim não temos a versão franca daqueles que eram contra as suas propostas. Embora os casos políticos expostos sejam vários e ocupem boa parte da trama, infelizmente muitos se apegaram a idéia de que a diretora Phyllida Lloyd, que já havia trabalhado com Meryl em Mamma Mia!, quis mostrar um retrato melancólico e triste apostando em um leve choque. Lembrada pelo seu governo levado a mãos de ferro, o longa já começa nos mostrando a protagonista idosa e em uma situação que em nada nos remete as imagens da mulher firme, corajosa e inteligente que recheava os noticiários do passado. Ligeiramente corcunda, com vestes simplórias e se espantando com o preço de meio litro de leite, tal imagem é bastante eficiente para fisgar a atenção, mas curiosamente causou efeito contrário. 

Viva e com a saúde comprometida na época do lançamento do filme, o público não esperava cenas declaradamente emocionais e focadas na velhice de Margareth. Todavia, o recurso dos flashbacks para contar a sua trajetória é meticulosamente bem utilizado. Dessa forma acompanhamos a juventude de Margareth pela interpretação de Alexandra Roach, que já demonstrava na década de 1950 que mudar seu país era seu grande objetivo de vida e que se um homem quisesse ser seu companheiro deveria entender que jamais ela seria uma dona de casa exemplar, pois tinha convicção que nasceu para algo muito maior que lidar com o fogão e levar os filhos à escola. Denis Thatcher, interpretado na juventude por Harry Lloyd e no fim da vida por Jim Broadbent, aceita as condições e viveu pouco mais de cinco décadas ao seu lado, até sua morte em 2003, mas ainda assim sua esposa continuou conversando com ele, ou melhor, com a lembrança constante dele, situações ocasionadas por causa da senilidade. É interessante o contraste de idéias entre as cenas. Se na fase jovem Margareth não se importava em entrar em um carro e partir deixando seus filhos chorando e gritando, na velhice ela reclama que eles cresceram rápido demais e ela não aproveitou todos os bons momentos. Nesta fase ela sofre com os constantes esquecimentos e tremedeiras devidos aos avanços do Mal de Alzheimer, sinais que a própria constatou ainda ocupando seu cargo público. Meryl encarna a fase de meia-idade e também idosa de Margareth com muito afinco e sem deixar que a impressionante maquiagem, merecidamente também premiada com o Oscar, sobressaísse à sua interpretação. Embora muitos condenem a “forçada” aproximação do espectador a porção mais humana de uma figura que escreveu seu nome na História, são vários os fatos relevantes de sua vida pública relatados, lembrando que alguns podem parecer forjados justamente por estarmos os vendo da maneira que a protagonista os vivenciou não havendo abertura para conhecermos o outro lado da questão. Acompanhamos seus passos iniciais na trilha política até se tornar a primeira mulher a comandar uma democracia na Era moderna. Com a Crise do Petróleo que assolou a Grã-Bretanha logo que ela inicia seu mandato, acabou comprando briga com populares e sindicalistas por causa de seus cortes orçamentários drásticos e falta de apoio às greves. Seu lema era fazer política com a razão e não com a emoção e que para atingir o equilíbrio às vezes é preciso perder um pouco agora para recuperar mais a frente. A teoria funcionou vagamente para ela. Antes hostilizada, a partir de 1982 ganhou certo prestígio com seu envolvimento na Guerra das Malvinas, um conflito armado travado com a Argentina pelo domínio das Ilhas Malvinas, também conhecidas como Falklands, território que muitos desprestigiavam, mas Margareth tinha certeza que um dia o povo iria lhe agradecer por ter comprado essa briga e mandado as tropas britânicas à luta. Até o Exército Republico Irlandês, o IRA, se incomodou com as decisões polêmicas da então ministra e armaram um atentado como retaliação. Seu terceiro e último mandato foi iniciado em 1987, época em que se mostrou contrária a formação da União Européia. Renunciou seu cargo três anos depois já devido ao início de sua demência, mas o longa retrata sua saída da vida pública de forma positiva e ovacionada pelo povo. Seu último ato político foi uma celebração ao fim da Guerra Fria, embate que ela mesma apoiou.

No conjunto, A Dama de Ferro não é o horror que os críticos propagaram e ainda o fazem. É uma produção bem feita e com uma boa narrativa que encontra eficientes soluções para expor o necessário sobre a personalidade da homenageada sem se aprofundar em sua figura pública, mas demonstrando um interesse maior em desvendar quem era a mulher por trás daquela imagem que ficou conhecida por um semblante quase que blindado. Dessa forma, o título utiliza a alcunha pela qual ela ficou conhecida quase que de forma irônica, ou melhor, dúbia, pois apesar das inúmeras críticas temos em cena sim a mulher de ferro e a mulher de carne e osso brilhantemente representadas por atuações de uma mesma atriz, mas com diferenciais impressionantes.  Talhado para causar frisson nas premiações, o projeto corre o risco de com o passar dos anos acabar ficando conhecido tal qual A Escolha de Sofia, “o filme que deu o Oscar a Meryl Streep”. Todavia, são vários os exemplos de filmes acerca de fatos político-históricos que chegam a torrar a paciência do espectador com tantos detalhes. Esta obra ao menos tem o mérito de levar o assunto nas doses certas para atingir um público mais amplo e instigá-lo a conhecer mais sobre quem foi e a importância de Margareth Thatcher não só para a Inglaterra como para o mundo todo, afinal suas idéias certamente fizeram e ainda fazem a cabeça de muitos. Como dito antes, o filme não se propõe a substituir uma aula, embora conte com algumas cenas de arquivos entrelaçadas de forma irrepreensível com reconstituições. Quer saber mais? Procure em livros e na internet, certamente a descoberta dos detalhes que o filme omitiu ou atenuou terão um gostinho bem melhor do que se fossem entregues mastigadinhos no roteiro.  Para curtir esta produção plenamente é preciso se permitir a invadir a privacidade da protagonista e tonar-se íntimo dela, todavia, se não fosse o magnetismo difundido por Meryl provavelmente o filme não passaria de um amontoado de fatos alinhavados de forma frágil. Dificilmente uma obra cinematográfica sobrevive sem um bom roteiro, mas os trabalhos deste obelisco da interpretação é uma exceção à regra. Sua presença definitivamente é maior que qualquer enredo.

Vencedor do Oscar de atriz (Meryl Streep) e maquiagem

Drama - 105 min - 2011 

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Um comentário:

Ramon Pinillos Prates disse...

Acabei enrolando e perdi de assistir no cinema, mas qualquer dia desses eu vejo.