sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O EXORCISMO DE EMILY ROSE

NOTA 9,0

Baseado em fatos reais, longa
de horror ganha certo ar de
novidade ao investir em um
confronto entre a fé e a razão
Uma jovem aparentemente inocente, mas com andar e gestos estranhos, caminhando em direção a uma árvore seca em meio a um clima enevoado. Esta cena simplória acabou se tornando uma marca registrada de um filme vendido como uma produção de horror, mas que no tem um aspecto dramático bem mais profundo e característico. Tal cena ganhou tanto destaque que acabou sendo usada para ilustrar o material publicitário de O Exorcismo de Emily Rose, uma interessante produção que envolve um drama de tribunal que chegou na época do seu lançamento a ser anunciada como um dos melhores filmes de terror dos últimos tempos, mas ainda não alcançou o status de O Exorcista e talvez jamais chegará a tal ponto. Porém, isso de forma alguma desmerece este trabalho assinado por Scott Derrickson que não tinha um currículo muito atraente acumulando o roteiro de Lenda Urbana 2 e direção de um dos episódios de Hellraiser. Bem, intimidade com o gênero ele tem, mas prova aqui que não precisa se rebaixar a escrever tramas bobocas para assustar adolescentes. Ele escreveu o roteiro em parceria com Paul Harris Boardman e ambos devem ter virado noites assistindo os clássicos de terror dos anos 70, época em que o público chegava a não dormir por várias noites após assistir produções como A Profecia e o já citado clássico de William Friedkin. O produto que eles criaram exala nostalgia e veio em boa hora para suprir um mercado que na época já estava saturado dos fantasmas dos remakes orientais e de suas próprias cópias originais que invadiram o mundo ocidental. A recepção foi muito positiva, mas obviamente não tão impactante como um lançamento do tipo a 30 ou 40 anos atrás. Jennifer Carpenter estreou na carreira de atriz com o pé direito aceitando o difícil papel que empresta o nome à produção, uma jovem que deixou sua casa e família para ir estudar em uma região afastada. No alojamento em que passa a viver certa noite Emily tem uma alucinação e desmaia. O que poderia ser um acontecimento sem importância, acaba se tornando um grande problema na vida dela. Os surtos passam a ficar cada vez mais frequentes e ela volta para a casa dos pais. Muito religiosos, eles recorrem ao padre Richard Moore (Tom Wilkinson) e todos estão certos de que a medicina nada pode fazer para ajudar Emily já que acreditam que se trata de um caso de possessão demoníaca. Deixando o tratamento médico de lado e aceitando se submeter ao exorcismo, a jovem acaba falecendo e o pároco vai parar nos bancos dos réus acusado de negligência e homicídio doloso. Erin Bauner (Laura Linney) é a escolhida para defendê-lo, mas faz isso em nome de interesses próprios e financeiros, já que ela mesma é cética quanto ao assunto, porém, conforme a investigação avança suas crenças e convicções podem mudar. Já o promotor Ethan Thomas (Campbell Scott) é religioso, mas age segundo a razão e está disposto a provar que a intervenção do padre no caso levou ao fim trágico.

O longa é fragmentado. O sofrimento e os ataques de Emily são apresentados pausadamente, em flashbacks, assim o público tem a chance de ter um respiro e esfriar os ânimos durante as cenas de tribunais, sequências que justificam a existência deste filme cuja duração é fora dos padrões para o gênero, quase duas horas. Derrickson tratou os sustos como consequência de um enredo difícil e reflexivo. A fé e a racionalidade se enfrentam e seus defensores invertem seus papéis dentro dos tribunais. O advogado religioso tem a capacidade de fazer uma acusação fundamentada pela razão, enquanto a defensora agnóstica procura reunir todos os subsídios possíveis para alicerçar sua defesa ao representante da fé. Em meio ao embate temos o padre convicto de que fez o que pôde para ajudar a jovem. Clinicamente Emily é rotulada como portadora de um distúrbio em que o indivíduo tem ao mesmo tempo surtos de esquizofrenia, psicose e epilepsia e a medicação prescrita seriam entorpecentes e sedativos que poderiam torná-la dependente de drogas. Para o catolicismo ela é mais um caso típico de possessão demoníaca e já que a medicação não fazia efeito a única saída seria parar com os remédios para tentar a solução pelo exorcismo. Os dois tratamentos não poderiam ser utilizados, pois um cortaria o efeito do outro agravando ainda mais o quadro. A força deste filme se concentra no embate dos advogados que procuram de todas as formas defenderem seus pontos de vistas e as cenas que reforçam essas explicações sempre são retratadas de duas formas diferentes, deixando assim recursos para que o espectador tire suas próprias conclusões, ainda que o longa tenha um desfecho que beneficie um dos lados como em todo caso jurídico. Apesar de muitos jurarem que ficaram impressionados e mal conseguiram pregar os olhos por uma ou algumas noites, este longa deixou outros tantos espectadores decepcionados. Por causa do título, muitos esperavam embarcar em uma montanha russa de sustos e gritos gratuitos, mas a decepção não é totalmente justificável. Cenas apavorantes e carregadas de tensão existem aqui em generosas, porém, espaçadas doses. O cineasta foi habilidoso ao dar uma linha narrativa diferenciada a sua obra trabalhando paralelamente duas histórias que estão intimamente ligadas sem deixar que o interesse do espectador diminua de uma para a outra, ainda que a ação dentro do tribunal ocupe boa parte do tempo. Se não fosse pela escolha deste viés, certamente esta produção seria apenas mais uma em meio a tanto lixo produzido em Hollywood, ainda mais que na época este tipo de filme estava em baixa e ainda sofrendo com os estigmas negativos deixados por O Exorcista – O Início lançado cerca de um ano antes na tentativa de resgatar a franquia.

As cenas de exorcismo de Emily certamente não assustam como a décadas atrás, mas a atmosfera criada para seu martírio é de arrepiar a espinha, como, por exemplo, a já citada cena do início do texto. O período de esforços e dedicação do diretor a este trabalho não foi em vão e ele conseguiu injetar um pouco de ânimo no estagnado mercado de produções de terror e suspense que talvez desde 1999, quando foi lançado O Sexto Sentido, não via inovações. Dizem que mexer com assuntos do além traz mal agouro a todos os envolvidos na produção, crença que ajudou a perpetuar a fama de O Exorcista que realmente teve acontecimentos estranhos em seus bastidores e até depois de lançado, como o declínio precoce da menina endiabrada da vez vivida por Linda Blair que alcançou o sucesso rapidamente e despencou com velocidade similar. Quanto a obra de Derrickson não foram espalhados boatos do tipo, mas é certo que Jennifer Carpenter também surgiu como uma atriz promissora, mas não vingou. Sem boatos sobrenaturais rondando a produção do longa, trabalha a favor de sua longevidade o fato da história ser baseada em fatos reais acerca da morte da alemã Anneliese Michel ocorrida em 1976, inclusive existem diversos estudos e análises sobre este caso tanto pela ótica jurídica quanto pela religiosa e espiritual. De qualquer forma, O Exorcismo de Emily Rose cumpre seu papel de entreter e ainda traz a tona importantes aspectos a serem discutidos. Ciência, crendices, verdades e mentiras estão em jogo. Bulir com assuntos religiosos é quase sempre como mexer em um vespeiro, mas o cineasta não teve medo neste caso e desenterrou do fundo do baú uma história de arrepiar que até hoje causa várias polêmicas, inclusive pela opção de muitos elevarem a personagem da vida real à condição de santidade devido a sua escolha em ficar na Terra e viver seu carma do que partir para o além em um momento sereno. O filme mostra tal superstição, mas não suas conseqüências que poderiam render até outro longa. Para quem ficou curioso pela pegada mais intelectual do enredo, mas já está roendo as unhas de medo, lembre-se que no conforto do lar temos a opção de passar para frente os momentos indesejáveis. Vença o medo e curta este grande filme de terror que devolve com louvor a dignidade ao gênero.

Terror - 119 min - 2005 

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