segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

O GALINHO CHICKEN LITTLE


Nota 6 Disney procurou modernizar seu estilo, mas apenas se salva pelo carisma dos personagens


Quando a Disney engrenou de vez pelo caminho da distribuição dos produtos da Pixar ela acabou perdendo praticamente sua identidade. Depois de sucessivos fracassos de bilheterias de produções em formato tradicional e com enredos simplórios, como Atlantis – O Reino Perdido e Nem Que a Vaca Tussa, o estúdio decidiu investir em trabalhos mais próximos ao estilo computadorizado que fizeram a fama de Monstros S.A. e Procurando Nemo, por exemplo. Dessa forma, podemos considerar que O Galinho Chicken Little foi uma tentativa da produtora de animações mais famosa do mundo tentar desbravar novos caminhos e provar que ainda podia andar com as próprias pernas, porém, a iniciativa não gerou bons resultados.  A primeira investida solo da empresa no campo da animação totalmente digital gerou um longa que a crítica especializada recebeu com frieza e cheia de preconceitos e nem mesmo o público deu muita bola. Obviamente comparar esta animação relativamente simples com a criatividade de Os Incríveis é uma tremenda covardia. Com estilo de episódio esticado de série animada de televisão, é preciso se ater somente a este produto para poder perceber que o mesmo cumpre o que promete: simplesmente divertir, principalmente a garotada. 

O grande foco desta produção é discutir as relações familiares e o velho gancho dos excluídos dando o troco e se dando bem. Para tanto recorre a personagens cativantes e com características suficientes para serem tratados como os estranhos da turma da escola e até mesmo da cidade, a começar pelo protagonista, Chicken Little, um galinho que colocou todos a sua volta em situação de desespero quando afirmou que um pedaço do céu havia caído em cima dele e que o fim do mundo estaria próximo. Na realidade, ele foi atingido por uma avelã, mas por ser muito miúdo acabou confundindo. A partir de então ele passou a ser desprezado e nem com o apoio de Pedro Galo, seu pai, podia contar já que eles tinham uma relação aparentemente amigável, porém, não havia estímulo para o galinho enfrentar desafios. A vida de Little muda completamente quando ele toma coragem e participa de um campeonato de beisebol da escola e vira o jogo literalmente, mas não demora muito e ele pode voltar a ser alvo de chacota quando novamente passa a acreditar que o céu está caindo. Só seus amigos mais próximos acreditam nele, mas desta vez realmente algo estranho caiu lá de cima diretamente em seu quarto e essa era sua grande chance de provar seu valor para todos enfrentando o desconhecido. Assim, o franguinho e sua turma armam às escondidas um plano para desvendar o mistério e dessa forma deixarem para trás de vez a fama de perdedores. 


O roteiro de Steve Bencich, Ron J. Friedman e Ron Anderson não traz inovações e é até bem previsível, assim funcionando para entreter as crianças pequenas, mas para as mais crescidinhas e os adultos a produção pode não ser tão chamativa. O diretor Mark Dindal, de A Nova Onda do Imperador, criou uma obra que deixa explícita sua lição de moral pela relação de pai e filho, mas arrisca dar uma inovada em seu hall de personagens coadjuvantes. Realmente, o que salva a produção são os tipos carismáticos, uma prova que a Disney continua imbatível nessa área, todavia, para muitos é discutível a gama de personagens criados para explorar o tema dos rejeitados e suas inúmeras tentativas de a qualquer custo serem aceitos pela sociedade. Hebe Marreca é uma pata dentuça e com grandes olhos que não se importa de ser chamada de feia e se informa sobre tudo que precisa através de revistas para adolescentes descoladas. Ela é a amiga conselheira, mas que muitos repudiam por não ser um exemplo de beleza. O Raspa de Tacho é o gordinho atrapalhado da turma curte algumas músicas e têm certos trejeitos que denunciam uma tendência homossexual. Também temos o Peixe Fora D'Água, outro aluno do colégio que sobrevive fora da água graças a um escafandro. Sem falar uma única palavra, ele é tão cativante e engraçadinho quanto os outros e rouba a cena com inspiradas e divertidas gags visuais. 

Chicken Little também tem suas peculiaridades. Com cara de intelectual e uma cabeça desproporcional ao corpo provando sua veia cerebral, nem por isso se esconde e faz questão de usar óculos com armação colorida e roupas da moda tal qual a um nerd moderno. Junto com seus amigos forma o time dos excluídos do colégio, como fica claro durante uma aula de educação física na qual o próprio professor divide a turma entre espertos e manés. Mostrados de forma franzina e ridicularizada, eles ganham suas versões dos sonhos em um filme dentro do filme que encerra a projeção. Só por esses e outros tipos que formam uma incrível galeria de personagens já é possível dizer que esta animação não foi feita em vão. Quando estreou, o longa trazia a esperança de uma nova era para o estúdio que fez sua fama com as histórias de princesas e bruxas, algo já ensaiado alguns anos antes quando apostaram suas fichas em Lilo e Stitch atingindo certa repercussão e bilheteria. Com o mercado inflado com novas empresas investindo no campo em que antes dominava, a Disney estava correndo contra o tempo e procurando reunir em um mesmo produto as características que marcaram seus concorrentes: história moderninha, ágil, trilha sonora pop e as citações de outras obras do cinema ou qualquer outra coisa que pudesse ser encaixado na narrativa de forma a serem facilmente identificados pela plateia e causar humor. Assim temos a música-tema de Indiana Jones em certa passagem e é feita uma comparação de um conflito desenvolvido na narrativa com a clássica história de Guerra dos Mundos, além de algumas músicas que marcaram época pontuarem a trama. 


Com boa vontade e uma apreciação descompromissada, este desenho apresenta-se como uma excelente opção para agradar crianças e adultos. O visual colorido, muita agitação e personagens engraçadinhos tratam de fazer a alegria da molecada, todavia, algumas sequências deixam clara a falta de experiência dos realizadores com novas tecnologias, algo muito nítido pelos cenários de fundo serem pobres em detalhes e estáticos, além do fato de que algumas cenas são carregadas demais em tons escuros, como as do quarto de Little ou quando o mistério das quedas do céu é solucionado. Faltam elementos que tragam vida a tais sequências e até a rapidez de algumas delas incomoda, mas dos males o menor. O bicho pega mesmo pelo fato do roteiro insistir em um discurso de autoajuda. A todo o momento o galinho quer afirmar sua competência e esperteza, o que acaba picotando a narrativa e provavelmente entediando quem não está mais em fase escolar. E não se pode deixar de mencionar a péssima ideia de dublarem boa parte das canções, o que resultou em versões com letras bizarras e uma trilha sonora por vezes irritante. Enfim, O Galinho Chicken Little está longe de ser uma animação perfeita, mas para se divertir totalmente, como já dito, é preciso evitar as comparações e procurar manter o espírito critico menos ativo, caso contrário você não conseguirá chegar nem mesmo a metade do longa, ainda mais quando você ouvir o protagonista berrar em alto em bom som "eu sou o champiom".

Animação - 77 min - 2004 

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