NOTA 8,0 Jim Carrey e Téa Leoni esbanjam sintonia e simpatia vivendo um casal que entra de gaiato no mundo dos crimes |
Não importa o quanto o tempo
passa ou o quanto se esforce, mas parece que Jim Carrey está fadado a ser amado
e odiado em proporções semelhantes. Se para alguns ela provoca riso fácil com
suas caras e bocas, para outros elas não passam de características de um bocó
irritante. Quem aprecia comédias rasgadas certamente aprova as atuações do ator
que vira e mexe tenta (e consegue) expor seu talento dramático, mas inevitavelmente
está sempre com um projeto cômico engatilhado. Em As Loucuras de Dick e Jane mais uma vez ele não
decepciona a quem curte seu jeito elétrico e despachado de atuar. Este filme é quase
uma refilmagem de um trabalho da década de 1970 chamado Adivinha Quem
Vem Para Roubar, mas só a premissa foi mantida. A história foi
reformulada e adaptada para os novos tempos, sobrando até rápidas piadas
críticas a respeito da imagem do imigrante latino nos EUA. Porém, o foco mesmo
é fazer graça com piadas acerca de escândalos administrativos, algo muito em
evidência na época do lançamento, usando o astro da comédia como o laranja de
uma operação fraudulenta. A ideia principal poderia render uma comédia mais
adulta, uma sátira mais refinada, mas foi feita a opção pelo humor rasgado e
popularesco, porém, tal definição não deve ser confundida com grotesco. Dick
(Carrey) e Jane Harper (Téa Leoni) formam um casal feliz com um filho pequeno e
que levam uma vida confortável, mas eles querem mais e a grande chance parece bater
à porta deles quando o patriarca do clã é promovido repentinamente a vice-diretor
de relações públicas de uma grande corporação a qual se dedica há vários anos.
Achando que vai ganhar horrores, o casal passa a comprar todos os bens de
consumo que tanto desejavam, porém, a farra dura pouco. Logo vem a tona a
notícia da falência da empresa devido a um desvio de dinheiro gigantesco feito
pelo desonesto presidente da mesma, Jack McCallister (Alec Baldwin), e a bomba
estoura nas mãos de Dick. A partir daí vemos uma série de esquetes cômicos nos
quais os mais novos falidos da praça tentam reconquistar o padrão de vida que
tinham ou ao menos não morrer de fome praticando roubos. Essa é a deixa para
Carrey usar seu potencial físico e vocal para provocar humor seguido de forma
tímida por sua parceira que parece transparecer preocupação ou ser mais
sensata.
Não se pode condená-los
totalmente pela decisão de enveredarem por um caminho desonesto. Eles tentaram
ganhar a vida de forma digna antes da vida de crimes. Dick literalmente suou a
camisa para trabalhar como recepcionista de um supermercado e Jane se meteu até
em servir de cobaia para experimentar remédios e cosméticos em fase de testes.
Como nada deu certo, fazer o que? O diretor Dean Parisot, o mesmo da comédia
pouco vista Heróis Fora de Órbita, foi esperto ao mudar o enfoque
da ação da sua trama. O filme original, que em inglês levava o mesmo nome da
produção de 2005, mostrava as desventuras de um casal que se meteu a cometer
crimes porque a mulher gastava mais do que a soma do dinheiro dela e do marido podia
pagar. A versão modernizada ganhou mais ritmo e afinidade com os espectadores
ao lidar com o tema de golpes de empresas em que os inocentes é que acabam
pagando o pato. Dick e Jane ganham a simpatia imediata de quem os assistem por
serem pessoas que encaram a situação de dificuldade de forma bem humorada
acrescida de uma revolta desconcertante que os leva até mesmo a roubar a grama
dos vizinhos e ameaçar balconistas de lanchonetes com uma arma de brinquedo
para poderem tomar um capuccino. Porém, algumas cenas de ação criminosas são
descabidas como as que Carrey aparece como um travesti ou trajando uma roupa de
mergulho. Ainda assim, ele está mais contido do que de costume no papel. Deve
ser porque ele tem consciência que o nome de seu personagem divide espaço com o
de sua companheira no título e ambos têm que aparecer. É bem interessante
acompanhar seus personagens acostumados a um padrão de vida de classe média
alta terem que progressivamente ir reduzindo seus gastos e luxos, chegando ao
ponto de iluminarem a casa a base de velas por não pagarem a conta de luz. É o
sonho americano se transformando em pesadelo. Outro ponto que gera boas piadas,
mas que infelizmente é pouco explorado, é como a cultura hispânica está
inserida neste núcleo familiar graças a influência da empregada que passa muito
mais tempo que os patrões com o pequeno ..., tanto que ele chega ao ponto de
colocar sem querer o pai em maus lençóis simplesmente pelo fato de atender um
telefonema com um sonoro “hola”.
Escrito por Judd Apatow, o
homem que aparentemente de um novo fôlego ao gênero comédia com O
Virgem de 40 Anos, em
parceria com Nicholas Stoller, esta obra obviamente não é inovadora, mas pode
ser que essa sensação de déja vu seja proposital. A trama é recheada com diversos
clichês, sequências previsíveis, uma trama final enrolada e uma conclusão que
todos sabem qual vai ser sem nem mesmo precisar assistir uma única cena. Ainda
assim, o humor impregnado na narrativa é cativante e as diversas críticas
contemporâneas ajudam a manter o interesse, chegando a colocar os dois
candidatos a criminosos a praticar crimes com as máscaras de Bill e Hillary
Clinton (poderosos e criticados na época) e ironias envolvendo o governo de
George W. Bush (talvez um dos presidentes mais odiados e ironizados da história
americana ou até mesmo mundial). Outra grande sacada da obra para não ser
descartável e até ser lembrada por anos e anos é fazer referências e anedotas a
respeito do caso Enron, a sétima maior companhia do mundo na década de 1990 e
que foi envolvida em um escândalo financeiro culminando com seu declínio. Mesmo
querendo ter características para se tornar um trabalho considerável anos
depois de seu lançamento, o mais provável é que este filme hoje em dia seja
apenas uma boa comédia para passar o tempo cujas citações a fatos verídicos de
sua época sejam dissolvidos ano após ano até não significarem absolutamente
nada para quem veja no futuro. Ainda que este trabalho tenha um melhor
resultado até pouco mais da metade, no conjunto ele funciona bem porque faz
valer a força do título. É quase impossível imaginar Dick e Jane interpretados
por outros atores. Carrey e Téa formam um casal crível e que comove o
espectador com a relação de amor e cumplicidade entre eles, o que já é o
bastante para atrair o público-alvo. Vale ressaltar que o longa não traz a tona
a mensagem piegas de que o dinheiro não traz felicidade, mas reforça que o amor
da família e ter o nome limpo e digno, por exemplo, valem muito mais, além é
claro do final fazer claramente jus ao ditado de que o crime não compensa. Mais
cedo ou mais tarde se paga pelo erro. As
Loucuras de Dick e Jane é sem dúvidas uma boa opção para todas as
idades, seja pela primeira vez ou para um repeteco.
Comédia - 90 min - 2004
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