quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

GARÇONETE

NOTA 7,0

Apesar da simplória imagem
de comédia romântica, longa
tem uma história que arrisca
abordar temas relevantes
Se todo mundo diz que as comédias românticas andam açucaradas demais, a cineasta e roteirista Adrienne Shelly resolveu assumir definitivamente tal rotulagem no longa Garçonete, uma deliciosa produção com pitadas de drama que foge um pouquinho dos padrões do gênero. A atriz Keri Russell teve aqui a sua grande chance de aparecer para o grande público, embora o filme tenha tido uma passagem relâmpago pelos cinemas e aterrissou nas locadoras e lojas sem fazer barulho mesmo tendo uma repercussão positiva quando exibido no Festival de Sundance, a grande vitrine dos projetos independentes. Conhecida pelos maníacos por seriados de TV, a jovem só foi ganhar um papel de destaque em um filme após quase uma década de tentativas. Ela dá vida a Jenna, uma moça que acabou se auto-sufocando pelas barreiras que ela mesma impôs para sua vida. Ela tem um talento incrível para a culinária, mais especificamente para criar tortas criativas e deliciosas, porém, ao invés de batalhar para ter seu próprio restaurante ela prefere continuar trabalhando como garçonete para Old Joe (Andy Griffith), um patrão grosseiro, em um restaurante de categoria rebaixada. Todavia, tal emprego acaba lhe dando um pouco de alegria e a faz esquecer seu triste cotidiano marcado pela falta de sensibilidade do seu marido Earl (Jeremy Sisto) e por lembranças melancólicas de seu passado que não lhe foi muito generoso. Se ela própria não se dá o devido valor como mulher e tampouco como profissional, quem iria despertá-la para a vida? Pois é justamente um pequeno ser o responsável por mudar os rumos desta pacata garçonete. Logo no início do filme Jenna descobre que está grávida. Bem, dizem que um filho muda tudo, mas neste casa, na realidade, ele vem para enrolar um pouquinho mais a vida da mamãe de primeira viagem. Antes disposta a finalmente terminar o casamento infeliz, agora ela está na dúvida, ainda que pensar em dar a luz a uma criança filha de um homem que ela repudia só lhe afunda ainda mais em depressão. Para descontar sua tristeza e raiva da vida, Jenna passa então a criar os mais diferentes tipos de tortas em velocidade ímpar misturando ingredientes inusitados e as batiza com nomes um tanto bizarros refletindo seus pensamentos e emoções. Por incrível que pareça, tais experiências gastronômicas acabam por conquistar os clientes.

Como diz o ditado popular, há males que vem para o bem. Graças a gravidez Jenna conhece um homem que pode lhe fazer voltar a acreditar no amor. Substituindo sua ginecologista que acabara de se aposentar, o Dr. Pomather (Nathan Fillion) encontra certa dificuldade para lidar com a garçonete em um primeiro encontro. Entre profissional da saúde e paciente, fique claro. Contudo não demora e eles acabam cedendo os pontos a favor da atração que sentem um pelo outro, embora ele também seja casado. Assim eles passam a ter alguns encontros casuais, mas a relação não é apenas carnal provando pouco a pouco que rola muito sentimento também. Jenna então consegue voltar a ter vontade de viver dignamente e até se entusiasma a participar às escondidas de um concurso gastronômico que oferece uma boa quantia de dinheiro, o suficiente para ela se livrar do marido possessivo. Apesar do verniz de romance água-com-açúcar, esta produção tem um quê da essência do cinema alternativo, privilegiando o desenvolvimento das emoções da protagonista de forma com que o espectador se sinta íntimo de seu universo, o que transforma a experiência de assistir a esta obra muito mais saborosa, ainda mais com seu apetitoso visual, um prato cheio para quem gosta de cozinhar ou degustar bons pratos. A câmera de Adrienne nesse aspecto trabalha a favor da arte oferecendo belíssimas imagens que não mostram apenas refeições sendo preparadas, mas, ironicamente, tortas que se refletem os sentimentos amargurados da protagonista, para os clientes tornam-se motivos de felicidade por suprirem as necessidades de seus paladares. Alternando doces momentos com outros de sabor agridoce, um dos melhores ganchos do roteiro é mostrar um lado pouco explorado pelo cinema em relação a uma gravidez. Se a maioria das produções investe no tema de forma positiva, aqui a chegada do bebê é mostrada por vezes negativamente. Jenna constantemente se refere ao filho em tom de desprezo e quando ela dá a notícia ao marido de que eles terão um filho, o companheiro se limita a deixar bem claro que não vai tolerar que ela ame a criança mais do que a ele, isso sem se dar conta da repulsa que a esposa sente por ele próprio. Além da maneira diferenciada de abordar o tema gravidez, a cineasta ainda arriscou ao inserir o adultério em sua narrativa. A paixão ardente que surge entre a protagonista e seu médico em nenhum momento causa repúdio no espectador. Os intérpretes são tão simpáticos e naturais, assim como os diálogos que travam, que dificilmente nos damos conta de que os dois são casados e que estão vivendo uma relação típica de amantes. Não há como clamar por castigos. 

A relação problemática de Jenna com o marido é tão bem construída, mesmo utilizando poucas cenas, que automaticamente ficamos a favor da mocinha apoiando qualquer tentativa dela ser feliz, independente de suas atitudes serem condenáveis de certa forma, mas como se diz por aí quando um não quer dois não brigam e é assim também no amor. Se ela se entrega a uma paixão inesperada é porque seus sentimentos foram correspondidos e neste caso com o bônus da outra parte interessada viver situação familiar semelhante o que ajuda na construção de um relacionamento mais maduro e com expectativas de futuro afinal tanto um quanto o outro tem consciências dos problemas pessoais que os impedem de viver como um casal convencional. Pela bagagem de sentimentos e conflitos que Jenna carrega dá para entender perfeitamente porque esta não é uma simples comédia romântica, passando longe da superficialidade, porém, fica difícil encontrar motivos que justifiquem o seu relativo fracasso comercial e de repercussão, embora quem tenha assistido no mínimo classifiquem esta obra a nível regular. A premissa é bastante comum aos dramas e romances independentes protagonizados por personagens femininas, guardando inclusive semelhanças a Por um Sentido na Vida estrelado por Jennifer Aniston, nos quais a mulher é mostrada de forma realista, alternando momentos de felicidade e melancolia, mas sempre em busca literalmente de um caminho a seguir para ganharem qualidade de vida e respeito profissional e/ou como mulher. Ou seja, a ideia básica do roteiro é perfeitamente palatável a um grande público, apenas troca-se a costumeira mocinha sonhadora tão comum ao gênero por uma mais afinada com a realidade que entre um problema e outro encontra tempo para imaginar que sua vida pode ser melhor. Com uma deliciosa mistura de elementos cômicos e dramáticos, Garçonete engana o público com sua aparente simplicidade, mas tem muito a dizer às mulheres contemporâneas e porque não também aos homens para ajudá-los a compreender o sexo oposto. Uma curiosidade triste: Adrienne Shelly, que também atua como uma das garçonetes amigas de Jenna, foi assassinada por causa de uma discussão banal com vizinhos pouco tempo depois de concluir as filmagens, não tendo tempo de ver sua obra estreando nos cinemas. 

Comédia romântica - 107 min - 2007 

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