terça-feira, 15 de dezembro de 2015

SIMPLESMENTE FELIZ

NOTA 7,5

Com muita simplicidade e
sensibilidade longa é uma
boa lição de vida que exalta a
felicidade como bem maior
Em qualquer lugar do mundo existe muita gente que é supersticiosa e adora uma simpatia ou uma crendice popular para se apegar quando deseja ter sorte. E isso não é uma regra válida apenas para o primeiro dia do ano para atrair bons fluidos, para alguns é uma necessidade se dedicar constantemente a rituais que prometem auxiliar para conseguir dinheiro, sucesso, amor, saúde, mas no fundo tudo que as pessoas buscam pode ser resumido em uma única palavra: felicidade. A vida de qualquer indivíduo, independente do nível social, é marcada por momentos de tristeza e outros de alegria, sendo que os períodos de insatisfação costumam ser mais constantes, pois faz parte da natureza humana estar sempre almejando alguma coisa para ser feliz. Todavia, ver a vida e os problemas com um olhar mais otimista deveria ser regra básica para todos seguirem dia após dia. É dessa forma que vive a protagonista do filme Simplesmente Feliz, uma produção modesta que mistura drama e humor de forma eficiente, mas se não tem o poder de deixar ninguém extasiado ao menos consegue deixar qualquer um com uma sensação leve e esperançosa ao final. Para trazer a tona tanta sensibilidade para atingir o emocional do espectador, esse trabalho só podia mesmo estar nas mãos de alguém fora da muvuca hollywoodiana. Mike Leigh é um cineasta britânico muito respeitado e premiado que adora lidar com histórias humanas, até mesmo as mais espinhosas como, por exemplo, O Segredo de Vera Drake, uma de suas obras mais famosas e que discute o tema aborto. Depois deste trabalho denso, o diretor resolveu mergulhar em um universo leve e descontraído, uma essência que felizmente o título nacional preservou.  Existe tristeza nas histórias de humor da mesma forma que há espaço para a comédia nos dramas. Basicamente é esse pensamento que moveu Leigh na hora que concebeu o roteiro deste filme aparentemente despretensioso, mas que possui camadas mais profundas assim como sua protagonista que a primeira vista pode parecer um tanto infantil ou inverossímil, porém, uma pessoa comum que apenas deixa o seu bom humor ditar as regras de sua vida.  Poppy (Sally Hawkins) é uma professora de escola primária que é uma otimista incorrigível. Sempre vestida com roupas coloridas, usando muitos acessórios e mantendo um largo sorriso no rosto, ela tenta aproveitar ao máximo sua vida. Por gostar de brincar com situações sérias, ela passa a imagem de ser irresponsável, talvez por isso esteja solteira, e é desse modo que a enxerga Scott (Eddie Marsan), seu professor da autoescola, que não suporta a falta de atenção da moça ao volante e em tantas outras situações. Ela pode estar passando por problemas de relacionamentos ou no trabalho, pode levar várias broncas do instrutor por teimar em dirigir de salto alto ou até mesmo ter sua bicicleta roubada, não importa, Poppy sempre vê as coisas por um lado positivo e gargalha de si mesma e de tudo que lhe acontece diariamente.

Esnobado pelo Oscar, que só lhe reservou uma indicação na categoria de roteiro original, o longa ganhou muitos prêmios em diversos festivais e premiações. Sally Hawkins conquistou o Urso de Prata em Berlim e o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Comédia, apesar de aparentemente não ter feito muitos esforços para interpretar uma otimista. Ela aparece em cena tão natural e a vontade em seu papel que dá a impressão que Poppy é a própria atriz interpretando a si mesma e rapidamente nos sentimos íntimos desta mulher e de seu universo particular que de certa forma é até fantasioso, o que gera até certas comparações desta obra com o famoso longa francês O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Ainda assim, a personagem passa longe do caricato e é totalmente crível porque sua intérprete, para começar, não é nenhum modelo de beleza e empresta sua simplicidade a sua criação. Ela é uma mulher de aspecto comum que comete alguns exageros em sua forma de se vestir e se comportar, mas é assim que ela se sente bem e apreciável. Seu excesso de bom humor em nenhum momento invade o espaço dos outros, mas as pessoas que a cercam acabam não resistindo e querendo absorver aquela felicidade. Nem mesmo o carrancudo instrutor escapa e, em meio a algumas discussões acaloradas, também se deixa envolver pela energia leve e divertida que ela emana. Os vários embates vocais entre eles são sempre muito divertidos e beiram o absurdo. Curiosamente, talvez o único momento em que Poppy demonstra ter seu emocional abalado é justamente em uma sequência em que Scott tenta trazê-la para a “realidade”. A primeira vista pode parecer que o roteiro e até a personagem de Sally sejam tolos e muito fáceis de serem construídos, mas convenhamos realizar uma obra alto astral sem descambar para inúmeros clichês e situações embaraçosas não é uma tarefa fácil.  O roteiro é focado nas situações que Poppy vive cotidianamente e nas reações dos mais diversos tipos de pessoas diante de seu positivismo, mas sem permitir sentimentalismos gratuitos como se ela fosse uma coitadinha que por ser solteirona acabou adotando uma postura infantilizada para se justificar. Aliás, por lidar no trabalho com crianças pequenas, sua visão lúdica do mundo é totalmente pertinente. Dessa forma, não é de se estranhar a maneira como enxergamos Londres neste filme, bem diferente da imagem melancólica que a maioria dos cineastas apresenta aproveitando-se da predominância de um clima frio e com poucas aberturas de sol da região.

Embora para fins comerciais esta obra seja rotulada como uma comédia é certo que ela deva frustrar aqueles que apreciam um humor americanizado. Leigh não realiza um trabalho para gargalharmos do óbvio, mas sim para estampar um constante sorriso no rosto daqueles que conseguem captar a tradição do cinema inglês em imprimir um olhar social nos enredos, assim o diretor consegue provar que a comédia e o drama podem andar lado a lado assim como na vida de qualquer ser humano. Até a protagonista do longa tem seu momento mais triste, porém, ele é um grãozinho de areia em meio as diversas situações de êxtase que vive. Quando a moça escuta com atenção as histórias de infelicidade dos outros sempre tem na ponta da língua uma tirada para fazer o humor surgir e quem sabe tranquilizar aqueles que estão sofrendo, pois ela tem consciência de que a amargura existe. Durante suas aulas de direção o instrutor tem um modo muito exagerado de agir e conversar e ela se mata de rir, mas vez ou outra ele deixa transparecer em suas palavras um tom preconceituoso que a atinge mesmo que levemente. Essa é a grandeza do texto de Leigh. Ao mesmo tempo em que diverte o espectador também joga uma isca para colocarmos a cabeça para funcionar. Para manter sua obra em um nível elevado, no qual é possível fazer essas associações, e até para extrair o máximo que pode de naturalidade de seus atores, Leigh se beneficia do estilo de fazer cinema independente. A falta de um orçamento generoso ou um grande estúdio por trás do projeto não são problemas, na realidade são fatores positivos, assim ele mesmo pôde ter controle absoluto sobre tudo que envolve a produção e manter-se fiel a sua ideia original. Apesar dos traços de comédia romântica e de um final previsível, o longa também agrega características do cinema alternativo. Se fosse um produto made in Hollywood certamente seria transformado completamente para atender exigências de mercado ou, em outras palavras, interesses financeiros de uma fábrica de sonhos que deseja faturar milhões ou bilhões anualmente. Como dito no início, engana-se quem pensa que esta obra sirva apenas para uma sessão de cinema descompromissada. A história tem algo de profundo e não é preciso muito esforço para descobrir suas reais intenções: fazer o espectador refletir e se questionar. Sim é possível tirar algumas lições. Além da óbvia mensagem de procurar sempre ver tudo da melhor maneira possível, também podemos pensar se as coisas simples da vida é que na verdade nos fazem felizes, um apontamento de suma importância atualmente para uma sociedade individual e extremamente consumista e materialista. O que vale mais, uma divertida reunião com amigos no fim de semana ou ficar trocando ideia com conhecidos do mundo virtual cujo rosto você nem conhece? Presentear alguém com flores ou algo artesanal que você próprio escolheu ou mandar entregar na casa da pessoa algo escolhido em uma loja que você nem ao menos tocou no produto? São pensamentos que não estão explícitos no longa, mas a essência está presente ali desde o início. O título diz tudo. Simplesmente Feliz é realmente uma obra simples e muito feliz que tem muito a nos oferecer. 

Comédia - 118 min - 2008 

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