NOTA 7,5 Com um roteiro bem amarrado e uma excepcional parte técnica, longa assusta por adotar tom mais realista |
O cinema do início dos anos
2000 foi marcado por uma grande safra de filmes de terror baseados em produções
de origem oriental ou então por refilmagens de sucessos arrepiantes da própria
fábrica de Hollywood, além das inevitáveis continuações. Ao contrário de outros
modismos que chegaram a durar quase uma década, o gênero de horror não
conseguiu se segurar em pé com tais armas, ou melhor, as usou com tanta
intensidade e rapidez que logo o público se cansou. Bem, pelo menos os
fantasminhas de olhinhos puxados ou com longos cabelos cobrindo o rosto tiveram
uma vida relativamente curta, obviamente sempre sobrando um ou outro
remanescente. Em meio ao marasmo que se anunciava em meados de 2005, eis que
surge um lampejo de esperança para o campo de terror, um daqueles títulos que
aparentemente são apenas mais um no meio da multidão, mas que surpreendem
positivamente. A Chave Mestra representou um importante passo de Kate Hudson
em sua carreira. Mesmo com poucos títulos até então no currículo, já era
possível enxergar nela o semblante de típica mocinha romântica, porém, ela quis
fazer diferente da mamãe Goldie Hawn e não desejava virar sinônimo de um gênero
específico. Bem, o tempo passou e ela acabou virando mesmo um nome super
requisitado para produções água-com-açúcar, mas não se pode negar que ela
tentou trilhar outros caminhos. Neste suspense ela dá vida a Caroline Ellis,
uma jovem enfermeira que acompanha pacientes terminais e não se conforma com o
péssimo tratamento oferecido aos idosos. Abalada com a recente morte do pai, o
qual não pôde ajudar por estar ausente, a garota decide mudar um pouco de ares
e passa a se dedicar a apenas um único paciente de forma a lhe oferecer o
máximo de cuidado, talvez uma forma de se penitenciar pela culpa que sente.
Agora ela está de mudança para New Orleans, onde irá cuidar de um senhor
inválido, Ben Devereaux (John Hurt), que vive em um isolado e decadente casarão
com a esposa Violet (Gena Rowlands), esta que inicialmente não concorda com a
presença da moça na casa. Contudo, ela aceita os conselhos do advogado Luke
Marshall (Peter Sarsgaard), o responsável por cuidar dos problemas legais do
casal idoso e que também ajudará Caroline a se adaptar a nova rotina. Ela
inclusive ganha uma chave mestra para que possa ter livre acesso a todos os
cômodos da casa, exceto um que aparentemente está estrategicamente escondido.
Caroline, já desconfiada das
atitudes e estranhos hábitos dos patrões, como a proibição de espelhos por
menor que fosse o tamanho em qualquer lugar da casa, quando descobre a tal
porta misteriosa toma coragem e a abre. O sótão está repleto de quinquilharias
e materiais misteriosos. Ela então descobre que justamente naquela casa décadas
antes eram realizados rituais de magia negra conhecidos como hudu organizados
pelos antigos empregados da casa, conhecidos como Papa Justify e Mama Cecile. A
enfermeira então investiga a fundo as raízes desses cultos e do passado do
casarão como forma de se proteger de Violet que aparentemente tem tudo a ver
com o estado vegetativo de Ben que se encontra preso a uma cadeira de rodas e
sem poder falar por causa de um derrame. A premissa é bastante interessante
assim como a condução da narrativa que consegue deixar o espectador angustiado
do início ao fim com uma atmosfera pesada e situações bem amarradas. Não é a
toa que o material publicitário faz questão de destacar que o roteiro é do
mesmo responsável por O Chamado,
embora seu nome não seja publicado. Mas já vale a intenção visto que são
pouquíssimos os filmes que se lembram que um bom roteirista é tão importante
quanto um diretor de renome assinando uma produção. A trama neste caso é de
autoria de Ehren Kruger, mas os créditos são divididos com o também diretor
Iain Softley, de K-Pax – O Caminho da Luz,
que não perdeu a chance de dar seus pitacos no texto. O roteiro dá um gás ao
batido tema da casa mal assombrada ao evitar os clichês dos filmes de
fantasmas. Quer dizer, é claro que existem os recursos sonoros e a trilha
sonora mais alta em momentos estratégicos e um ou outro vulto suspeito, mas as
forças do texto se concentram em deixar cada vez mais latente que o mistério do
casarão tem a ver com a energia negativa que ela exala, fruto dos atos de
feitiçaria que deixaram a atmosfera do lugar extremamente carregada. A parte
técnica neste caso ajudou bastante. A pouca iluminação dos ambientes, os móveis
datados, o jardim mal tratado da casa e até uma região pantanosa, são pequenos
detalhes que ampliam a sensação de que a residência é cercada de baixo astral.
Ainda que o clímax seja numa noite chuvosa, não são raros os momentos em que o
exterior da casa é flagrado sob a forte luz do sol, como na sequência em que
Violet revela boa parte do passado do local para Caroline, fugindo assim da
mesmice de que todo filme de horror que se preze necessita de uma nuvem negra
constante cobrindo o palco das ações.
Além da perfeita sensação de
isolamento em que os personagens vivem, a construção da ambientação foi
fundamental para transformar o casarão não apenas em um cenário necessário, mas
sim em praticamente um personagem da narrativa. Aparentemente inanimado, o
local parece ganhar vida pouco a pouco conforme Caroline vai descobrindo os
segredos que suas paredes escondem. É aí que Softley dá mais uma cartada
certeira. Ele foge do clichê de possíveis assassinatos que deixariam almas
sofredoras presas eternamente à residência, ou melhor, encontrou uma forma mais
original de apresentar tal viés. A região de New Orleans, localizada na região
sul dos EUA, é uma terra marcada por um histórico a respeito da discriminação
racial. Os rituais de hudu praticados pelos então empregados negros poderiam
ser encarados como uma maneira desse povo manter suas raízes e um pouco de sua
dignidade exaltando sua cultura, porém, tão logo as sessões de feitiçarias eram
descobertas os serviçais eram condenados imediatamente à morte. Tais passagens
são apresentadas em flashbacks caprichados com imagens que diferem totalmente
da parte contemporânea da narrativa. Em tons de preto-e-branco, aspecto de
filmagem caseira e sonorização sinistra, o passado macabro é revelado de forma
surpreendentemente aterrorizadora, porém, é bom que fique claro que para os
adeptos de sustos em altas voltagens e disparados em velocidade recorde este
filme não é das melhores opções. Todo o clima de tensão é construído com muita
cautela. Por outro lado, para os escolados em trabalhos desse tipo, fica óbvio
que os espíritos dos negros executados na casa é que comandam as ações
negativas que envolvem os moradores do presente. Será mesmo? Na linha de O Sexto Sentido e Os Outros, A Chave Mestra em sua reta final
garante uma bem-vinda reviravolta que além de fazer crescer uma tensão
constante no espectador, também o faz repensar tudo o que viu, valendo
inclusive uma segunda sessão para captar os pequenos detalhes que podem
justificar a conclusão. A frase utilizada para a publicidade da obra, “Temer é
Acreditar”, ganha então total sentido. A protagonista acredita nas forças
negativas do casarão de tal forma que fica praticamente impossível para o
público questioná-la do contrário. Isso para quem se deixar se envolver pela
narrativa, obviamente. A partir de então qualquer detalhe pode ter algum
significado e Softley usa o poder da fotografia para captar o máximo de
elementos possíveis para causar impacto. Além disso, ele usa sua câmera para
filmar ângulos inusitados, como tomadas dos personagens de baixo para cima ou o
inverso, como forma de acentuar a sensação de que sempre há algo à espreita. Deixando
de lado os sustos fáceis, a gritaria e de certa forma o corre-corre tão comuns
às produções de suspense e terror, esta obra é um bom híbrido destes dois
gêneros que no conjunto possui muito mais pontos positivos do que negativos,
embora possa estar longe do que o público cativo deste tipo produto almeja,
procurando agradar talvez uma plateia mais seleta que geralmente não é atendida,
mas que também deseja sentir um arrepio na espinha vez ou outra. E final feliz
existe aqui? Bem, dependendo do ponto de vista sim. Ah, e para quem o filme não
agradar uma boa notícia: não ficam farpas evidentes para uma tardia
continuação. Quanto a uma refilmagem... Nunca se sabe.
Suspense - 104 min - 2005
Um comentário:
Esse nunca assisti. Porém, sempre leio bons textos sobre o projeto.
Quem sabe nessas férias.
Essa atriz entrou num caminho correto ao longo da carreira. Pena que nos últimos anos não esteja no auge.
abs
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