segunda-feira, 4 de outubro de 2021

AMIGAS COM DINHEIRO


Nota 6 Longa faz ligeira e ácida crítica à classe média, mas parece episódio alongado de seriado


Um grupo de amigas reunidas em torno de uma mesa de jantar e às gargalhadas. Elas não são mais adolescentes em busca de seus príncipes encantados. Já estão na casa dos 40 anos de idade, são bem resolvidas em suas vidas amorosas e realizadas na profissão. Bem, essa é a impressão que nos passa uma das cenas principais de Amigas com Dinheiro, porém, por trás da aparente felicidade, todas elas têm seus problemas, mas suas finanças estão perfeitamente saudáveis. Todavia, uma delas em especial é a patinha feia da turma, ou melhor, a patinha sem dinheiro, já que beleza tem de sobra em Jennifer Aniston, apresentada como o nome principal do elenco, mas que divide o protagonismo com outras atrizes de peso. Escrito e dirigido por Nicole Holofcener, responsável por alguns episódios de seriados com alma feminina como "Sex and the City" e "Gilmore Girls", é perceptível que o longa procura repetir a estética e o estilo narrativo televisivo, incluindo um clima leve que para os mais desatentos pode ajudar a resumir a obra como apenas uma bobagem na qual um bando de mulheres sem ter o que fazer procuram nos pequenos detalhes do cotidiano alguma razão para se ocuparem, seja brigando com seus parceiros ou metendo o bedelho na vida das amigas. 

A premissa pode vender a ideia de esta ser mais uma simplória e repetitiva comédia romântica, mas em suas entrelinhas encontram-se críticas à classe média, um retrato que, embora estereotipado em alguns momentos, procura desmascarar a falsa felicidade em que muitas pessoas vivem imersas. O roteiro segue o dia-a-dia de quatro amigas de infância que hoje estão numa fase mais madura e vivem em um bairro nobre de Los Angeles. Frannie (Joan Cusack) é uma boa dona de casa e organiza eventos beneficentes; Jane (Frances McDormand) é uma estilista respeitável; Christine (Catherine Keener) é um promissora roteirista; e, por fim, Olivia (Aniston) não consegue ter um emprego fixo, mesmo sendo uma professora formada,  e ganha a vida como diarista. Todas elas se encontram com certa frequência, mas temas ligados a finanças ou ostentação procuram ser evitados, porém, sempre rola alguma saia justa que Olivia acaba levando na esportiva. Outro assunto que gera certo constrangimento são as relações amorosas e familiares. Logo na introdução, a maior parte dos personagens são apresentados e o conflito principal (pelo menos o que melhor justifica o título) é estabelecido. Todas estão acompanhadas de seus respectivos cônjuges, menos Olivia, para variar, se sentindo o peixe fora d’água da turma. Mas será que estas mulheres bem-sucedidas são realmente felizes? 


Como na vida de qualquer ser humano alegrias e frustrações se alternam em proporções semelhantes e podem surgir a qualquer momento existindo, é claro, exceções como o casamento de Frannie e Matt (Greg Germann) que está indo de vento em pompa. Por outro lado, a relação de Christine e David (Jason Isaacs) está de mal a pior, mesmo com o casal vivendo em meio a uma reforma na casa, o que indicaria que eles estavam pensando em um futuro promissor juntos. Por fim, Jane e Aaron (Simon McBurney) convivem muito bem, mas ele é um tanto afeminado, o que gera algumas fofocas que pouco a pouco passam a incomodar a estilista. Enquanto isso, Olivia está solteira, mas de certa forma ainda envolvida em uma relação mal resolvida, pelo menos na cabeça dela. Entre diálogos irônicos, outros confidenciais e fofocas, o tom de conversa informal é a grande marca desta obra, o que ajuda o espectador a se tornar íntimo do universo dos personagens, embora eles sejam muitos para serem bem desenvolvidos em pouco tempo de filme (cerca de uma hora e meia), mais um fator que acentua a sensação de estarmos assistindo a um episódio esticado de um seriado de TV, só que com a diferença de que não há uma continuação para acompanharmos desdobramentos ou conclusões. 

O fato de nem todos os conflitos apresentarem uma resolução ao final gera controvérsias. Para os mais convencionais é frustrante e pode soar como a assinatura de que esta comédia é tão vazia que nem mesmo uma conclusão decente teria a oferecer. Por outro lado, não deixa de ser uma opção inteligente da diretora dando preferência ao realismo, afinal nem tudo na vida tem um final feliz e a maior parte das situações que vivemos são resolvidas na base do conformismo. Todavia, embora os atores estejam em cena de forma convincente, os problemas de seus personagens em sua maioria não dialogam com o público em geral. É como se fosse um filme especialmente feito para apresentar o universo burguês para uma plateia também elitizada, mas a mesma não comprou a ideia, afinal deve ser muito incômodo serem retratados como pessoas que podem não aparentar, mas no fundo se sentem superiores, algo que fica latente quando as ricaças comentam que se tivessem conhecido Olivia nas circunstâncias atuais provavelmente não poderiam ser amigas. Para não demonstrar orgulho, resta a elas darem conselhos e tentar ajudar financeiramente a mulher menos favorecida do grupo, sempre com as melhores intenções, mas também com uma pontinha de crítica ou esnobismo em suas ações.


Contudo, será que Olivia deve ser mesmo rotulada como a infeliz do quarteto? Ser refinado significa fazer piadinhas e fofocas às escondidas e na presença do alvo dos comentários trocar beijos e afagos? Felicidade é ter uma casa ampla aos olhares da vizinhança, mas pequena demais para um casal que vive trocando farpas e não se suporta? Se tiramos alguma lição de Amigas com Dinheiro é que o ideal de felicidade para muitos abastados anda um tanto distorcido. Enquanto isso, Olivia vai levando sua vida conforme pode, fazendo bicos como diarista e mantendo a pele rejuvenescida a base de amostras grátis de renomados produtos de beleza, mas sempre parecendo mais bem humorada e disposta que suas amigas. Procurando aliar entretenimento e conteúdo, é uma pena que Holofcener não teve a ousadia de levar além do convencional à crítica ao vazio emocional da classe média norte-americana que ainda cultiva o sonho de viver em uma bela e grande casa com um jardim florido na entrada, cenário ideal para uma foto em família que transmita toda a sua plasticidade. Como saldo positivo, o longa pelo menos serviu para Aniston acrescentar uma interpretação diferenciada ao seu currículo, uma personagem que apresenta a realidade de milhares de outras mulheres sem ser caricata.

Comédia romântica - 87 min - 2006

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