quarta-feira, 1 de junho de 2016

CINDERELA (1950)

NOTA 9,0

Clássico conto infantil salvou
as finanças da Disney em
tempos de crise e até hoje
emociona com sua delicadeza
Não tem mais jeito. A cada ano que passa menos espaço as animações tradicionais encontram no mercado de exibição, sendo assim tais produções sobrevivem através dos lucros com locadoras e varejos, mas acabaram se tornando obras restritas a plateias de crianças bem pequenas ou de adultos nostálgicos. Os desenhos mais moderninhos são bacanas, divertem a todas as idades e a maioria está repleta de críticas ou sarcasmos implícitos, mas já faz algum tempo que esses filmes estão se tornando repetitivos ou até mesmo com histórias fracas. Nestas horas dá até saudades da simplicidade dos traços e da ingenuidade das narrativas dos longas-metragens animados antigos, corrente em que obviamente o Sr. Walt Disney e sua equipe de desenhistas e roteiristas se destacavam. Cinderela é uma opção muito bem-vinda para sair da rotina e comprovar que a genialidade destes criadores é imortal. Embora o conto da gata borralheira seja super conhecido e demasiadamente açucarado, o estilo antigo de fazer animação é o grande chamariz no caso, mas não é só isso. Além dos traços suaves e os tons aquarelados, ainda temos uma trama envolvente e a convidativa trilha sonora, enfim tudo aqui vale a pena. A história original já sofreu inúmeras modificações com o passar dos anos em suas diversas adaptações para o cinema, teatro, televisão e até na própria literatura. Embora a versão dos famosos Irmãos Grimm seja levada em conta como o texto original, o visionário empresário Disney deu sinal verde para a produção deste longa animado baseando-se no livro homônimo de Charles Perrault. Escritor de origem francesa, ele também foi o autor das adaptações mais populares de “A Bela Adormecida” e “Chapeuzinho Vermelho”. Com a direção de Clyde Gernimi, Hamilton Luske e Wilfred Jackson, o longa narra a história da bela e gentil Cinderela, uma jovem que perdeu o pai muito cedo e foi criada por sua madrasta, Lady Tremaine, em companhia de suas duas meias-irmãs. Obrigada a fazer todos os serviços domésticos da casa, a moça nunca se sentiu parte desta família e seus únicos amigos são alguns animaizinhos que a rodeiam, como alguns ratinhos. São justamente eles que ajudarão Cinderela a realizar um grande sonho: ir ao baile promovido pelo príncipe que deseja encontrar sua futura esposa. A madrasta faz de tudo para evitar que a enteada compareça ao baile, pois quer que uma de suas filhas legítimas conquiste o rico anfitrião, mas quando menos espera a moça esnobada recebe a visita da bondosa Fada Madrinha que lhe arruma um belo vestido de festa, transforma os ratinhos em cavalos e cocheiros para conduzir a carruagem feita a partir de uma abóbora e, por fim, oferece a ela um par de sapatos de cristal. Porém, toda essa magia só dura até o relógio soar a meia-noite, o que obriga Cinderela a sair correndo no melhor da festa, quando finalmente conseguiu se aproximar do príncipe. O rapaz não sabe seu nome e nem onde ela mora, tendo como única pista o sapato que ela deixa cair na escadaria do palácio.

Bem, esmiuçar o enredo criado a partir do talento de uma equipe formada por quase dez roteiristas é até desnecessário afinal de contas tal história é conhecida até de trás para frente por praticamente todo e qualquer ser humano esteja ele em qualquer parte do mundo, mas realmente é irresistível relembrar a magia deste desenho que se tornou um marco da História da sétima arte e da própria trajetória da produtora Disney. Contudo, muitos afirmavam na época de seu lançamento que este projeto acabaria levando a empresa à falência, mas ocorreu justamente o contrário às expectativas pessimistas. Naqueles tempos a companhia passava por momentos de dificuldades devido ao fracasso de outras produções que hoje são consideradas clássicas. Não que elas fossem ruins, pelo contrário, o pacote incluía, por exemplo, Pinóquio e Bambi, mas o momento não era convidativo para o entretenimento. Na década de 1940, boa parte dela marcada pela Segunda Guerra Mundial, as pessoas estavam sofrendo com as atrocidades do conflito e não pensavam em ir ao cinema em busca de diversão, aliás, até em termos financeiros tal lazer ficaria inviável. Desde 1942 o estúdio estava se dedicando a produção de curtas e médias-metragens animados que poderiam estar ligados pela temática ou não, mas eram exibidos em conjuntos cujos tempos de duração se aproximariam ao de um filme comum. Essa era a maneira encontrada para arrecadar dinheiro até que a situação se normalizasse. Assim, o conto da gata borralheira começou a ganhar forma modestamente em termos financeiros, mas com dedicação e capricho dignos de superprodução. Para não desperdiçar dinheiro, praticamente todo o filme foi confeccionado em cima de storyboards, desenhos no papel que esboçam as cenas a serem realizadas, e a partir de modelos vivos, atores que se dispuseram a interpretar as sequências para facilitar o trabalho dos animadores. O resultado final deveria ser conhecido um ano após a estreia de Alice no País das Maravilhas, projeto conduzido paralelamente e que o Sr. Disney considerava ideal para retomar a produção de animações longas em grande estilo, mas foi convencido por seu irmão Roy que o conto da Cinderela deveria ser lançado antes, pois tinha um apelo popular maior e que por sua estrutura poderia ter repercussão semelhante a de Branca de Neve e os Sete Anões, até então o projeto mais bem sucedido financeiramente da casa. Essa era a chance do estúdio recuperar seu prestígio após oito anos sem lançar uma animação em longa-metragem e encher seus cofres, e assim aconteceu. O sucesso foi tanto que o longa acabou dando um gás à empresa e o chefão Disney voltou a sentir vontade de investir em produções mais ambiciosas. Pelo que este trabalho representou na trajetória Disney, sua salvação, não é a toa que o castelo do filme foi escolhido para ser o grande símbolo e centro das atenções do parque da empresa, a Disneylândia, que seria inaugurado alguns anos mais tarde.

Embora seja um filme “menor” da grife Disney, já faz tempo que esta versão da romântica história da gata borralheira é considerada um clássico entre populares e especialistas, ainda que hoje em dia, como já dito, possa ter dificuldades para entreter as novas gerações acostumadas a adrenalina e a inventividade dos desenhos moderninhos. Todavia, continua sendo aquela lembrança que os pais ingênua ou nostalgicamente querem compartilhar com os filhos e é ideal para alimentar a infância das menininhas que infelizmente cada vez amadurecem mais cedo e o sonho de encontrar seu príncipe encantado deixa de ser uma fantasia para se tornar uma necessidade praticamente imposta pelas sociedades que ao mesmo tempo em que condenam também parecem aplaudir a precocidade de suas crianças. Porém, isso são outros quinhentos, mas falando em príncipe é importante observar que tal figura tem uma importância inexpressiva nesta trama. Algumas sequências previstas envolvendo-o foram cortadas, como seu reencontro com a dona do sapatinho de cristal, o que culminou em um final apressado e de pouca emoção. Por outro lado, como uma obra com essência legitimamente feminina, percebe-se o cuidado com na construção visual das mulheres. A madrasta com seu corpo esguio e olhos grandes e diabólicos, suas filhas com corpos mais rechonchudos, andar desengonçado e feições pouco agradáveis, a fada gordinha e com rosto simpático tal qual uma vovozinha e a sofrida protagonista com seu perfil angelical, olhos, pele e cabelos claros como um anjo de candura. Também vale destacar os bichinhos que acompanham a trajetória da pobre moça. A inserção deles na trama foi estratégica já que a saga de Cinderela não era suficiente para compor um longa-metragem, mas tal ideia foi completamente bem encaixada na proposta fantasiosa. São estas criaturinhas que adicionam certa dose de humor, mas um deles em específico, o gato Lúcifer, por causa de seu nome e caráter chama a atenção de muitos até hoje que consideram tal escolha um equívoco dentro de uma obra voltada ao público infantil e com tom tão leve, mas nada que desqualifique o mínimo possível Cinderela que além de todas as suas qualidades facilmente perceptíveis e sua já citada importância histórica também tem o mérito de ser o primeiro longa Disney a ter sua trilha sonora comercializada, algo impulsionado pelo sucesso da singela canção “Bibidi Bobidi Boo” que acompanha a transformação da moça pobre em uma bela dama. Em seu histórico ainda constam três indicações ao Oscar, o Urso de Ouro de Melhor Musical no Festival de Berlim e um prêmio especial no Festival de Veneza. É muito bom poder ainda hoje conferir o colorido e os traços delicados e precisos de uma animação datada de uma época em que não era apenas o dinheiro que falava mais alto, mas também era levado muito em consideração o respeito à sétima arte. A emoção deste clássico felizmente continua até hoje conquistando novas gerações e alimentando a nostalgia dos mais velhos. O mais importante de tudo isso é lembrar que os sonhos se realizam e hoje em dia precisamos muito recuperar esta esperança, principalmente nas crianças. Em tempo: com animação mais simplória foram lançadas tardiamente duas sequências deste clássico, Cinderela 2 – Os Sonhos se Realizam e Cinderela 3 – Uma Aventura no Tempo, ambas longe do encantamento do original, mas que servem para entreter as meninas aficionadas por histórias de princesas.

Animação - 74 min - 1950

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