quarta-feira, 2 de março de 2016

LUGARES COMUNS

NOTA 8,0

Drama argentino aborda a
velhice com respeito e ainda
fala sobre a economia do país
e a perda de valores humanos
Já faz algum tempo que países latinos que historicamente contam com um grande contingente de população idosa e tradicionalista tem investindo em produções que focam a relação destas pessoas com a contemporaneidade. Se no cinema americano os mais vividos geralmente são retratados de forma cômica beirando o caricatural ou são apresentados enfrentando graves problemas de saúde ou ainda como conformados diante da iminência da morte, outras culturas preferem retratá-los em seus filmes deixando os estereótipos de lado e apostando em retratos mais realistas e humanos, como é o caso da Argentina que possui vários exemplares de obras desse estilo. Lugares Comuns é um ótimo exemplo, um drama envolvente sobre um casal maduro que praticamente precisa recomeçar uma vida juntos e que tem como pano de fundo a crise econômica que tomou de assalto os argentinos em meados da década de 2000 (ápice da situação, mas certamente ainda um fantasma que em menor ou maior grau assola o país). Fernando Robles (Federico Luppi) trabalha há anos como professor de literatura em uma universidade em Buenos Aires, mas diante dos problemas financeiros do país ele acaba sendo forçado a se aposentar com a justificativa do limite de idade, o que para ele significa o início do fim de sua vida afinal ele não teria mais com que se ocupar boa parte do seu tempo. Ele tem direito a trabalhar por mais algum tempo, mas sabe que não pode sonhar com uma remuneração condizente com os serviços que prestou e isso o desanima. Na realidade pesou na decisão de sua dispensa o fato de que em suas aulas ele estimula seus alunos a sentirem a dor da lucidez, ou seja, questionarem informações mesmo que a verdade não seja algo positivo, teorias que batem de frente com os ideais do reitor da instituição. Paralelo a isso, Liliana (Mercedes Sampietro), sua esposa, é uma assistente social que também está desgostosa com os rumos de seu trabalho. Sem incentivos do governo, ela não tem como manter obras de caridade e se sente frustrada. Para fugir um pouco dos problemas, o casal resolve tirar alguns dias de descanso e viajar para Espanha para visitar o filho Pedro (Carlos Santamaría) que agora vive lá com a esposa Fabiana (Yael Barnatán) e o filho pequeno. A viagem aparentemente comum acaba virando um ponto-chave para a mudança de vida do professor.

Fernando e Liliana já moraram em Madri na época do regime militar, eram exilados, mas o regresso não os empolga. Como nas melhores famílias, o apreciador de filosofias e pensamentos críticos não concorda com os rumos que a vida do filho tomou. Fora o fato de Pedro ser um homem decente, seu pai carrega a tristeza de que nenhum dos sonhos que projetou para o rapaz se concretizou. Ele não gosta da nora e se irrita pelo fato do casamento ter acontecido para assumir uma gravidez inesperada, conduta que julga desnecessária e ele próprio pondera que tudo que começa mal acaba mal. Todavia, Pedro parece feliz, mas Fernando não perde a oportunidade de criticar que o jovem trocou a carreira de escritor na Argentina por um emprego em uma renomada empresa espanhola. De volta à Buenos Aires o casal repensa o que ainda podem esperar da vida e com a mínima aposentadoria. Diante dos altos custos de vida da cidade grande, eles decidem recomeçar a vida no campo e compram uma pequena chácara onde ainda poderiam manter o estilo de vida, mais recluso e reflexivo, e também praticar terapia e ter algum lucro plantando e vendendo derivados de lavanda. O longa de Adolfo Aristarain, famoso cineasta argentino de vanguarda, pode parecer simplório, mas é em suas entrelinhas que encontramos pensamentos e ideias que são verdadeiros tesouros, diálogos e situações que instantaneamente levam o espectador à reflexão. Baseando-se no romance “El Renacimiento” de seu primo Lorenzo F. Aristarain, o roteiro do próprio diretor em parceria com Kathy Saavedra coloca o protagonista na posição de alter-ego, um inconformado pensador de esquerda que diariamente anota suas impressões sobre o mundo em um diário. Fernando narra em off algumas passagens da história, falas carregadas de críticas, ironias e que constantemente falam sobre a lucidez ou o caos que é viver sem ela, deixando claro que seu medo de envelhecer não é no físico, mas sim mentalmente. Passar a esquecer das coisas ou voltar a se comportar como uma criança parece ser seu maior medo, tanto que um de seus pensamentos mais marcantes é quando diz, em outras palavras, que a razão é uma forte aliada nos momentos de crise, mas quando ela falta o mundo é intolerante e de forma suave ou agressiva acaba expulsando as pessoas insanas do convívio social, uma metáfora ao destino de muitos idosos. Antes que tal situação viesse a ocorrer com Fernando e Liliana eles mesmos optaram pelo refúgio em um lugar praticamente vazio e bucólico, mas que poderia ser preenchido com as esperanças e ideais do casal que já não encontravam mais espaço na inflada e agitada metrópole.

Apesar do enredo carregado de diálogos filosóficos que em um primeiro momento podem comprometer as expectativas, este filme tem uma trama de apelo universal. Luppi e Mercedes, casados na vida real, conseguem de imediato a simpatia do espectador e tratam com naturalidade a chegada da velhice procurando lidar da melhor maneira possível com seus problemas. O roteiro mais que desenhar um retrato do idoso na atualidade, faz um importante registro social e político. Fernando seria a personificação de uma geração politizada e contestadora e que talvez tenha acordado tardiamente para a realidade. Todo seu esforço como militante político e tentando fazer um mundo melhor e mais justo através de seus ensinamentos parecem ter sido em vão, decepção catalisada em seu próprio filho que se deslumbrou pela modernidade e suas facilidades e abandonou seus ideais e vocação. Para o professor não existe futuro, esse é um conceito inventado e passado de geração em geração para que as pessoas se acovardassem e se conformassem com o mínimo para viverem dignamente, assim não arriscando novas possibilidades e sonhos. Pedro não percebe, mas seu pai o alerta de que ele pode estar bem hoje, mas por ser um estrangeiro na Espanha seu nome seria um dos primeiros da lista de corte da empresa em um momento de necessidade. Valeria mesmo a pena trocar seus ideais pelo conforto financeiro que no fundo não traz segurança alguma? A crise Argentina que movimenta a trama é a prova de que dinheiro some num piscar de olhos, mas o mundo trata de corromper as pessoas e quem não entra no jogo do vale-tudo material para ficar contemplando o conhecimento acaba sendo excluído. As crises econômicas, no fundo, têm mesmo um intuito separatista. Pedro mudou de país em busca de melhores condições de vida e Fernando e Liliana, para não traírem seus ideais e tampouco passarem o resto da vida cuidando do neto e prestando favores à nora, preferiram recusar os benefícios financeiros que o filho ofereceu para eles morarem em Madri e se auto-exilaram em uma chácara onde poderiam viver com a renda atual, mesmo com um padrão um pouco abaixo do que estavam acostumados. O título Lugares Comuns poderia ser interpretado como as velhas questões filosóficas e sociais que o protagonista tanto faz questão de reiterar, mas que de tão debatidas acabaram infelizmente perdendo seu valor, tornaram-se banais, mas para uma leitura mais popular podemos interpretá-lo como a mensagem de que esteja onde estiver todos tem um único objetivo em comum: ser feliz como bem entender.

Drama - 112 min - 2002

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9 – 10 Excelente, praticamente perfeito do início ao fim
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