quinta-feira, 14 de maio de 2020

NAS PROFUNDEZAS DO MAR SEM FIM


Nota 7 Obra explora as dificuldades de pais e filhos para se readaptarem após anos de separação


Família feliz tem suas estruturas abaladas quando um de seus três filhos some e precisa se adaptar a nova realidade. Por essa brevíssima descrição muita gente não se animaria a ver um filme do tipo, diga-se de passagem, um tanto clichê. É previsível que a choradeira seja inevitável ou, na melhor e mais açucarada das hipóteses, tal grupo voltaria a viver feliz com a volta repentina do membro desaparecido. Existem muitos exemplos de obras cuja ideia principal pode ser sintetizada dessa forma, mas outras como Nas Profundezas do Mar Sem Fim procuram dar um passinho adiante na discussão da reestruturação familiar. Não aborda apenas como lidar com a dor da perda, mas também como agir na hipótese de um final feliz, mas que pode não ser tão alegre para todos. A trama roteirizada por Stephen Schiff começa em 1988 quando a fotógrafa Beth Cappadora (Michelle Pfeiffer) decide levar seus três filhos pequenos junto a uma viagem para Chicago onde ela participaria de uma reunião de ex-colegas de escola. No saguão do hotel em que se hospeda ela se distrai por um minuto apenas e quando se dá conta perdeu de vista seu filho do meio, Ben (Michael McElroy), então com apenas três anos de idade. A tranquilidade inicial desta mãe pouco a pouco vai dando lugar aos sentimentos de desespero e de culpa, ainda mais quando as buscas comandadas pela investigadora Candy Bliss (Whoopi Goldberg) revelam-se fracassadas. 

Após algumas semanas esperando por qualquer novidade, Beth retorna para sua casa, reencontra o marido Pat (Treat Williams) e tem que encarar a triste realidade. Ela culpa-se pela negligência, decide parar de trabalhar e sem perceber passa a punir o companheiro e os outros filhos, o adolescente Vincent (Jonathan Jackson) e a garota Kerry (Alexa Veja), já que passa a tratar a família com displicência. Contudo, Beth não está completamente fora de seu juízo perfeito. Ela discute com o marido afirmando que não quer engravidar novamente, pois uma nova criança jamais substituiria Ben, e se irrita com um familiar que compra um presente de Natal para o garoto como se fosse uma forma de alimentar as expectativas de sua mãe que um dia ele voltaria. Ela está totalmente cética quanto a isso. Nove anos se passam e, apesar de aparentemente recuperados do episódio, o sofrimento desta mãe é compartilhado de maneira diferenciada, mas não menos dolorosa. Pat procura segurar as rédeas de seu clã enquanto guarda para si mesmo a culpa de não ter os acompanhado na fatídica viagem e, em paralelo, Vincent também se sente igualmente responsável pelo sumiço já que deveria ter ficado de olho no irmão. Já Kerry não demonstra preocupação ou arrependimento, afinal era um bebê quando Ben sumiu, não chegou a criar laços afetivos com ele.


Certo dia, um garoto bate na porta da família Cappadora oferecendo-se para cortar a grama do jardim. Beth logo percebe que o menino é extremamente semelhante ao retrato que ela tem do filho segundo as projeções feitas pelos investigadores sobre como Ben estaria naquele momento, aos doze anos de idade. Imediatamente ela começa a querer saber mais sobre ele e descoberto que ele se chama Sam Karras (Ryan Merriman) e vive a poucos quarteirões de sua casa. Não demora muito e a suspeita de Beth é comprovada, assim uma ordem judicial exige que ele seja afastado do convívio com o pai adotivo, George (John Kapelos), todavia, este homem não é um criminoso. O garoto foi sequestrado a mando de sua então companheira que sofria de desequilíbrios mentais e o convenceu de que era seu filho legítimo para forçá-lo a se casar, assim Ben acabou sendo criado em um ambiente amoroso e saudável, mesmo quando sua sequestradora veio a falecer. Todavia, ainda que com esse quadro favorável, sua família legítima ganha o direito de abrigá-lo. O mais importante gancho revela-se na fase em que estranhos passam a conviver diariamente. É uma tarefa difícil se adaptar a rotina de um novo membro cujos hábitos, experiências e sentimentos estão atrelados a uma outra realidade. As mesmas dificuldades são sentidas por Ben que se esforça em se dar bem com sua família de sangue, mas de qualquer maneira George é uma pessoa que não pode ser simplesmente cortada de sua vida e fatalmente chegará uma hora que a saudade falará mais alto. 

Adaptado do romance homônimo de Jacquelyn Mitchard, baseado em fatos reais, este drama não nega sua veia lacrimogênia e aposta em um roteiro esquemático. Filmes que lidam com temáticas familiares costumam agradar grandes demandas, ainda mais quando crianças estão no centro das atenções, mas certamente não faltam pessoas para condenar a obra pelo seu sentimentalismo exagerado e que automaticamente fecham os olhos para cenas tocantes e contundentes que fazem toda a diferença no resultado final. Infelizmente, a problemática de como lidar com a relação de filho e pai adotivo é mal explorada, assim como a prestação de serviços de Candy não se mostra tão eficiente. A personagem aparece apenas em situações pontuais e proclamando frases descartáveis em sua maioria. Por outro lado, a rivalidade entre os irmãos é bem desenvolvida, deixando claro que o problema de Vincent não é diretamente com Ben, mas sim com seu próprio sentimento de inferioridade, por acreditar que ele está sempre em segundo plano para os pais. Por exemplo, apresentar Vincent, então uma criança de apenas sete anos, acordando no meio da noite para dar mamadeira a irmãzinha ou desesperado para interromper uma discussão acalorada dos pais não são cenas gratuitas para emocionar, elas estão inseridas perfeitamente dentro de um contexto. A intenção é mostrar que Beth e Pat sem se darem conta estão prestes a perder de certa forma outro filho já que o primogênito sente-se renegado pelos próprios pais e sobrecarregado de tarefas. 


Terceiro e último filme do cineasta Ulu Grosbard, o longa é extremamente emotivo e com grandes cenas de Pfeiffer alternando momentos de melancolia e desespero. O primeiro ato é bem resumido, já que corresponde ao trivial que uma produção do tipo pede. O foco de interesse chega com a passagem de tempo inserida que nos faz enxergar a temática com outros olhos. O longa respeita a inteligência intelectual e emocional do espectador esquivando-se dos clichês, mostrando que nem tudo são flores. Os Cappadora sonharam por anos com o reencontro, mas quando o desejo é realizado eles percebem que as coisas não são tão fáceis. O Ben idealizado por seus pais não existe mais. Quem está convivendo com eles é Sam que não carrega consigo lembrança alguma de sua anterior e breve passagem com sua família de sangue. Seria correto fazer tudo que fosse possível para que o garoto virasse o filho dos sonhos do casal, mas no fundo ele próprio se sentir infeliz? A opção de mostrar o lado negativo deste reencontro é que faz com que Nas Profundezas do Mar Sem Fim seja um acima da média, mas ainda assim é inegável que ele tem problemas concentrados na narrativa que em alguns momentos parece apressada ou superficial, mas tais defeitos diminuem razoavelmente quando nos deparamos com uma cena tão bonita quanto a que Ben ensina seus pais a dança grega que aprendeu com seu pai adotivo. E o final deve surpreender por sua veracidade e naturalidade.

Drama - 105 min - 1999 

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