quinta-feira, 31 de março de 2016

VATEL - UM BANQUETE PARA O REI

NOTA 9,0

Longa faz um retrato crítico e
histórico da realeza mostrando
que por trás da ostentação um jogo
de interesses ditava as regras 
A história do cinema é marcada por obras que não só enchem os olhos do espectador por apresentar belas imagens, mas algumas também podem dar água na boca e abrir o apetite, tanto é que já existem até publicações e sites dedicados a divulgar os filmes em que as comidas e as refeições não servem apenas como pano de fundo ou adorno, mas assumem posições de coadjuvantes ou até podem se tornar protagonistas do enredo. Com guloseimas e mesas fartas, algumas produções assumem o caráter gastronômico e a direção de arte capricha para criar um visual delicioso e aconchegante. A primeira vista, um cenário requintado é o que nos oferece Vatel - Um Banquete Para o Rei, mas esta superprodução francesa, porém falada em inglês, infelizmente raríssima de ser encontrada em mídia original ou vista na TV, tem muito mais a nos oferecer do que simplesmente aguçar nosso paladar. Baseando-se em fatos reais, o cineasta Roland Joffé, dos premiados Os Gritos do Silêncio e A Missão, construiu um filme que, apesar de ser de época, traz pontos relevantes e contemporâneos, como a busca pela excelência para obter aprovação e sucesso e temas como honra e caráter. Para degustar este enredo por completo, é preciso provar do recheio e não se contentar apenas com a cobertura. O roteiro de Tom Stoppard, adaptado da peça teatral homônima de Jeanne Labrune, nos remete até o século 17, mais precisamente em 1671 na França. O Príncipe de Condé (Julian Glover) está passando por problemas financeiros e planeja uma solução para fazer com que toda a província fique livre das dívidas. Ele decide convidar o rei Luís XIV (Julian Sands) e toda a corte de Versailles para passar um final de semana festivo em seu palácio repleto de entretenimento e saborosas iguarias culinárias e assim quem sabe fazer com que o monarca perdoasse as suas dívidas e evitasse uma guerra provocada por um desastre econômico, trazendo prosperidade a toda a região. Porém, apenas um homem poderá preparar um banquete a altura e também cuidar da diversão da comitiva real: François Vatel (Gérard Depardieu), o mordomo do Príncipe, este que não poderia se endividar ainda mais por conta desta ideia arriscada. Contudo, seu fiel escudeiro é de uma criatividade assombrosa para se virar com os alimentos e sabe que uma produção cenográfica é essencial para impressionar os convidados, ainda que para ele tais nobres lhe causassem repulsa, mas em nome da estima que sente por Condé aceita o desafio.

Em meio às tramas políticas encabeçadas pelo Marquês de Lauzun (Tim Roth) e a todo o trabalho para a preparação de três jantares suntuosos, Vatel acaba se apaixonando pela bela Anne de Montausier (Uma Thurman) que fica dividida entre a vontade de se manter junto ao luxo da corte e o desejo de ser amada por um homem que nutre o mesmo sentimento de romantismo que ela, mesmo ele não sendo um nobre e tampouco um simples camponês, apenas mais um na multidão tentando se destacar com seu trabalho. Esse relacionamento, porém, poderia acabar atrapalhando os planos de Condé visto que o rei Luís também demonstra interesse na mesma dama, porém, com o intuito de que ela seja sua amante. É justamente essa sensação de ser usado o ponto que acaba unindo Anne e o cozinheiro. Essa história é até bem conhecida em terras européias, mas só foi espalhada pelo mundo com o filme, ainda que ele tenha ficado mais restrito aos cinéfilos de plantão. Com um rico roteiro em mãos, o diretor Joffé conseguiu fazer uma grande produção a respeito da vida palaciana e até certo ponto complexa do ponto de vista social. No mundo da corte, todos precisam ter dinheiro para estar a altura do estilo de vida e da fama propiciada. Quem não tem condições financeiras precisa entrar nas regras do jogo para não ficar por baixo. Vatel conseguiu transitar entre estes dois mundos, dos ricos e dos pobres, mas descobre que a realeza não é perfeita, que só era reconhecido por causa de seu talento para a gastronomia e que sem perceber não era ele quem orquestrava os grandiosos eventos, mas sim os festejos que o manipulavam como um escravo. A sua maior qualidade também era seu maior defeito. Ele queria cuidar de todos os detalhes que envolviam uma festa para que nada desse errado, mas tal obsessão pelo perfeccionismo e para alimentar seu ego acabou sendo o veneno que interrompeu sua vida. Tal percepção da sua real condição no cotidiano palaciano é aguçada justamente pelo sentimento que passa a nutrir por Anne, um amor que julgava não poder ser vivenciado em sua plenitude, e também ao descobrir que o príncipe a quem tanto se dedicou por anos o apostou em uma jogatina, explicitando que as relações humanas não significavam nada diante dos interesses de poder. Depardieu consegue trabalhar muito bem a transformação gradual pela qual seu personagem passa devido a sua conscientização a respeito da injustiça social do mundo hierárquico até sua fase amargurada. Com várias personalidades históricas em seu currículo, o ator tem seu próprio jeito de atuar e nem todo mundo aprova os seus trejeitos característicos, mas nada que atrapalhe a sua interpretação que deixa latente o isolamento do mundo de seu personagem. Tudo para ele gira em torno de comidas e enfeites e nem amigos ele tem, sendo que em seus diálogos limita-se a dar ordens aos subordinados ou aceitar os pedidos de seus superiores de casta.

Festejado durante os anos 80, Joffé na época deste lançamento já amargava uma fase ruim profissional com trabalhos recebidos de forma fria por parte de crítica e público, mas é inegável que o apuro visual de suas obras é coisa de mestre. Para fazer seu relato histórico e crônico da nobreza do século 17, mais uma vez o diretor apostou em um espetáculo grandioso para oferecer ao espectador como é de costume em sua filmografia. Além de uma história muito interessante, o cineasta caprichou nos detalhes da produção tal qual seu protagonista com seus banquetes.  Trilha sonora, figurinos, fotografia e a já mencionada deliciosa direção de arte com suas locações, adereços, iguarias, cenários teatrais e até artifícios pirotécnicos e esculturas de gelos para adornar a comilança. Tudo parece estrategicamente colocado no lugar certo e em harmonia para criar imagens belíssimas como se fossem quadros da época. Até as comidas foram pesquisadas e feitas com muita atenção para serem o mais fiéis possível ao que poderia ser servido em um banquete na época. A tecnologia e criatividade empregadas nas apresentações feitas para o entretenimento da corte francesa são um deleite para os olhos dos espectadores e inovadoras para o período em que a trama se passa. Sim, por incrível que pareça uma encenação de ópera em meio a um jantar no qual os convidados estão ilhados entre piscinas d’água e pequenos fogos de artifício estouram nas mesas não é loucura do cineasta. Um grupo de historiadores prestou consultoria durante as filmagens para que tudo ficasse verossímil e representasse a riqueza em seu nível máximo, apesar de que para muitos o resultado final do visual possa beirar o exagero. Porém, o período histórico permitia a grandiosidade e a criatividade e isso ajudou a equipe de produção a soltar a imaginação, mas ainda assim mantendo o espírito original da história que serviu de base. Em resumo, Vatel - Um Banquete Para o Rei é o retrato da hipocrisia, da decadência de um reino e a podridão de seu sistema de castas imposto pela hierarquia, mas com cores fortes e um tempero especial para escamotear a acidez do enredo. Para alguns apenas um deslumbrante desfile de imagens bonitas. Para outros, um contundente trabalho a respeito de um período visto por outra ótica, a dos acontecimentos na França, mas ainda assim não muito diferente do que se encontraria em outros países. Uma pena este banquete cinematográfico ser uma raridade no mercado para ser saboreado, mas vale a pena insistir na procura.

Drama - 117 min - 1999 

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