NOTA 3,0 Interferência de estúdio certamente comprometeu o resultado de ficção mal estruturada e sem graça |
Quando um filme estreia nos
cinemas ou é lançado em DVD sem publicidade isso pode significar um mau sinal
afinal de contas é um tanto suspeito uma distribuidora esconder seu produto da
mídia quando ela poderia ser uma aliada para aumentar a procura do mesmo,
embora não seja raro que excelentes produções dispensem os gastos com marketing
e confiem na propaganda boca-a-boca positiva do público. Agora o que dizer de
uma obra que aparentemente tem toda a pompa de superprodução, mas seu próprio diretor
e até mesmo o protagonista não ficaram satisfeitos com o resultado final? Pois
é, essa é a situação de Missão Babilônia que não chega a ser
uma ficção científica cafona cheias de engenhocas e naves espaciais (pelo menos
não em números exagerados), porém, não foge do clichê de imaginar um futuro
apocalíptico. Com muitos problemas na
fase de finalização, o longa tem um visual chamativo e uma ótima parte técnica,
mas o conceito do imagem é tudo aqui não funcionou. Sem uma boa história não há
efeito especial ou som estridente que segure a atenção do espectador. Bem, em
tempos de febre do 3D e outras firulas talvez essa máxima não tenha valor, mas
isso é outra discussão. Baseado no livro “Babylon Babies”, escrito por Maurice
Georges Dantec e muito popular na França, a trama até que começa de forma
instigante. Um mercenário está correndo apressadamente pelas ruas sob uma forte
chuva até que encontra seu alvo, um asiático que lhe vendeu uma arma que não
funciona e agora ele quer seu dinheiro de volta. Parece uma introdução tola? Somando-se
a outros detalhes que percebemos nesta e em algumas cenas seguintes tomamos
conhecimento da visão de futuro que o longa quer apresentar. O mundo não está totalmente
devastado com alguns poucos sobreviventes como estamos acostumados a ver em
outras produções com temática semelhante, porém, está caminhando para isso. O
individualismo impera, o comércio ilegal dita as regras, militares armados
ocupam em peso as ruas, os efeitos do aquecimento global já são plenamente
perceptíveis, alguns animais como os tigres estão extintos há anos, a violência
cresceu espantosamente e tantos outros detalhes negativos visuais vão pouco a
pouco situando o espectador e substituem aquele manjado truque do pequeno
resumo por escrito que geralmente abre produções do tipo. A ideia de introdução
do diretor francês Mathieu Kassovitz, de Rios
Vermelhos, já mostra seu respeito em manter o espírito da obra literária
que o inspirou, todavia é quase impossível não ficar com o pé atrás com a
produção desde os minutos iniciais por um motivo crucial: Toorop, o tal
mercenário, é interpretado por Vin Diesel. Astro de filmes de ação, novamente
ele surge inexpressivo, quase como um robô contratado para escoltar a jovem Aurora
(Mélanie Thierry) e sua protetora Rebeka (Michelle Yeoh) do Cazaquistão para
Nova York. No percurso eles acabam tendo que enfrentar alguns contratempos com indivíduos
que estão de olho na moça que por anos viveu reclusa em um convento e que aos
poucos revela ser uma pessoa incomum, alguém com inteligência e intuição acima
do normal.
Bem, aos que compartilham do
citado preconceito em relação as limitações artísticas de Diesel pode se dizer
que neste caso seu jeito de atuar no piloto automático vem bem a calhar. Ele é
um assassino profissional e em tempos em que o lema cada um por si é regra
básica para sobrevivência ele não pode nem mesmo se dar ao luxo de ser um homem
de poucos amigos, ainda mais porque ele segue rigidamente alguns códigos de
honra e de conduta que comumente são descumpridos por seus colegas de
profissão. Numa época em que a degradação das sociedades divide espaço com o
ápice do desenvolvimento tecnológico, incluindo o rastreamento de humanos via
satélite, Toorop vive exilado em terras européias e proibido de retornar aos
EUA, mas a chance de reverter isso vem justamente da proposta feita pelo chefão
Gorsky (Gérard Depardieu), personagem, aliás, que já é uma das pontas soltas do
roteiro escrito pelo próprio Kassovitz em pareceria com Éric Besnard. Com uma
aparência grotesca, ele seria do bem ou do mal? Qual sua ligação com a
conspiração contra a aparentemente religiosa Aurora? A garota poderia ser um
perfil dos mais interessantes já que pode prever o futuro, fala diversas
línguas e é dotada de conhecimentos gerais que seriam impossíveis de serem
adquiridos de acordo com a educação que teria tido no convento, fato no último
ato explicado da forma mais estapafúrdia possível, mas sua intérprete é fraca
demais, seus atos uma mistura de ingenuidade e coragem sem unidade e não deixa
no ar a mínima sensação se seria a salvação ou a definitiva destruição da
humanidade visto que a partir do momento que inicia sua travessia rumo ao solo
americano ela teria exatos seis dias para revelar seu bombástico segredo? Sim,
realmente tal revelação é uma verdadeira bomba, no mal sentido da expressão
fique claro, mas algo que poderia beneficiar a ascensão de uma seita religiosa
perigosa e de princípios manipuladores cuja líder é High Priestess (Charlotte
Rampling), mais uma que surge do nada só para encher linguiça. Considerada
apenas um pacote do qual o mercenário quer se livrar o mais rápido possível,
discretamente é forçada a certa altura algum tipo de envolvimento emocional
entre a jovem e o brucutu, mas que também não acrescenta nada a trama. Outra
criação mal estruturada é a da Irmã Rebeka. Deveria ser uma pacifista e
conselheira nata, mas na reta final praticamente vira uma lutadora de vale
tudo, aproveitando-se do talento para artes marciais de sua intérprete, fora
que sua primeira cena é marcada por um constrangedor diálogo com Toorop o que
já ajuda a não colocarmos fé nesta guardiã. Todavia, até que a dupla Yeoh e
Diesel funciona por encontrar o equilíbrio entre a disciplina dela e a
agressividade inerente dele. Completando o pacote de erros básicos, ainda temos
o cientista Darquandier (Lambert Wilson) que surge nos minutos finais trajando
um figurino ridículo e para tentar explicar algumas coisas a respeito de
Aurora, mas tudo é em vão quando já estamos fatigados de tanta correria,
brigas, tiroteios e um roteiro que seria mais apropriado para um jogo de vídeo
game.
Em meio a jornada por vários
ambientes destruídos e sujos a bordo dos mais diferentes meios de locomoção, travessia
na qual o trio passa por campos de refugiados, enfrenta a neve e se depara com
pessoas do pior tipo possível, Kassovitz demonstra talento para construir uma
verdadeira babilônia, um mundo a beira de um colapso com uma direção de arte
que nos remete a outras produções futuro-apocalípticas, mas que peca pelo
exagero de propagandas espalhadas ao longo da narrativa, principalmente quando
a ação é transportada para Nova Iorque que segundo a visão do diretor no amanhã
será ainda mais iluminada e agitada. Apesar do conceito interessante que
poderia render algo que aliasse entretenimento e reflexão, infelizmente não há
traços de complexidade na trama que acabou sendo resumida a uma montanha de
clichês de filmes de ação e ficção e até mesmo a questão do fanatismo religioso
sugestionada não vinga. Culpa do cineasta? Realmente parece que ele não se sente
muito a vontade filmando fora de sua terra natal onde realizou o elogiado O Ódio. Em Hollywood já havia colhido
críticas negativas pelo suspense Na
Companhia do Medo, mas no caso de Missão Babilônia talvez não seja
certo descarregar toda a culpa em suas costas. O lado comercial da fita não
fica apenas nas inserções de marcas famosas em uma cena aqui e outra acolá. A
produtora Fox Films bancou o projeto e, portanto, se achou no direito de mandar
e desmandar de acordo com seus interesses. Com premissa que nos remete a de Filhos da Esperança (humanidade se
autodestruindo, mundo em ruínas e uma única mulher podendo significar a
salvação), o cineasta pretendia fazer um misto de ficção e ação mais adulto tal
qual o conteúdo do livro original, mas é provável que o estúdio tenha tido
receio de que o longa tivesse a mesma recepção da obra do espanhol Alfonso
Cuarón, boas críticas e bilheterias fracas. Antes não pensassem tanto em encher
o cofre. Com tradição em filmes arrasa-quarteirões, os executivos da Fox interferiram
pesado no trabalho de Kassovitz e priorizaram a ação e os efeitos especiais. O
diretor e o próprio Diesel confirmaram em entrevistas as divergências de ideias
entre as partes e dizem que cerca de 70 minutos da versão originalmente
programada foram excluídos para diminuir a faixa de censura e o tempo de
duração visando atrair mais público e só isso já explica os problemas
narrativos. Para que explorar o perfil dos vilões, dar maiores detalhes sobre
os interesses que diversos grupos tinham em Aurora ou incitar a reflexão sobre
os rumos da humanidade quando o público alvo no final das contas seriam
adolescentes e adultos com síndrome de Peter Pan que só querem adrenalina,
imagens e sons alucinantes ou uma desculpa para namorar ou se entupir de pipoca
e refrigerante? De qualquer forma é Kassovitz quem assina a obra para todos os
efeitos, embora também tenha sua parte de culpa na decepção final visto que boa
parte dos diálogos e situações são muito ruins e não há edição que justifique
tais fatos.
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