segunda-feira, 29 de novembro de 2021

AS PALAVRAS


Nota 6 Três histórias são interligadas por conta de um livro, mas longa não aprofunda os tramas


Todo filme precisa de roteiro e para tanto é preciso que o responsável tenha não só um bom argumento a ser desenvolvido, mas também habilidade para lidar com as palavras. O mesmo é exigido de um escritor literário e é esse o grande foco do drama As Palavras, escrito e dirigido pela dupla Brian Klugman e Lee Sternthal. O título é simples, mas ao mesmo tempo já deixa claro que esta é uma obra para um público mais seleto, ainda mais quando pouco a pouco a narrativa mostra-se mais próxima do estilo literário, como se realmente tivesse sido adaptada das páginas de um livro. A forma como nos expressamos pode mudar a percepção de como as outras pessoas nos veem e até mesmo transformar vidas através das mensagens que transmitimos. É isso que vai aprender Rory Jansen (Bradley Copper) que literalmente encontra um tesouro que se transforma em um divisor de águas tanto em sua trajetória profissional quanto pessoal. O rapaz trabalha em uma editora de livros e sonha em publicar seu próprio romance, porém, apesar de bem avaliado, sua obra só encontra recusas e a cada nova tentativa, inclusive em outras empresas, ele parece se convencer de que deve ser incapaz de seguir carreira como escritor. 

A falta de experiência de vida pode estar se refletindo negativamente em seus textos, contudo, Jansen é apoiado pela esposa Dora (Zoe Saldana) e até conta com a ajuda financeira do pai (J.K. Simmons) para enfrentar os problemas de um sonho que custa a gerar lucros. Prestes a desistir definitivamente, ele encontra por acaso um manuscrito perdido em uma valise comprada por sua esposa em uma loja de antiguidades . O rapaz  começa a ler e logo está totalmente envolvido pela história a ponto de decidir transcrevê-la para o computador palavra por palavra, inclusive repetindo os possíveis erros gramaticais e estruturais do texto original. Como não havia assinatura nos velhos papéis amarelados que encontrou, ele decide apresentar o livro ao seu editor, o Sr. Cutler (Zeljko Ivanek), como uma obra de sua própria autoria. Após uma rápida leitura, seu chefe resolve investir na publicação com a promessa de que caso fosse sucesso de vendas o seu livro antes descartado também seria lançado. Dora, que talvez apoiasse o marido apenas para cumprir seu papel de boa esposa, foi quem o incentivou a apresentar tal obra quando a leu por acaso ao ver o arquivo aberto no computador. Sem saber do plágio, ela também festeja o salto de qualidade e criatividade do texto de Jansen, mais um empurrãozinho para ele decidir levar adiante a farsa.


O livro "A Janela de Lágrimas" (criação ficcional para o filme) automaticamente transforma-se em um best-seller e Jansen passa a receber prêmios, elogios e a participar de encontros para autografar livros, mas não esperava que um fã em especial mexesse tanto com seu emocional. Certo dia ele encontra em um parque um senhor de idade (Jeremy Irons) que elogia muito seu trabalho, mas educadamente passa a indagá-lo sobre o que ele faria caso lhe contasse uma história que o inspirasse a escrever um livro. Cederia o crédito ao menos pelo argumento ou faria de conta que desde a concepção da ideia inicial tudo seria seu mérito? O idoso passa então a narrar um conto romântico que coloca Jansen em uma saia justa. O livro que catapultou seu nome ao estrelato foi justamente escrito por este senhor que não está atrás de dinheiro, mas sim de algum tipo de compensação emocional pelo fato de ter perdido aquele que seria o grande feito de toda a sua vida, uma obra que simboliza a sua abdicação de muitos bens materiais e afetivos por seu amor às palavras. Em flashback ficamos conhecendo o enredo do livro, um romance épico que fala sobre um jovem soldado francês (Ben Barnes) que toma contato com a literatura através de outro colega de combates e se apaixona pela escrita. Curiosamente, o rapaz só conseguia escrever em momentos conturbados de sua vida, o que acabou atrapalhando sua relação com a esposa e a filha. 

O filme então se divide em uma narrativa dentro da outra, mas como a ideia central de um escritor recorrendo ao plágio para alcançar o sucesso rápido não é nenhuma novidade, Klugman e Sternthal adicionam uma terceira trama para fugir do lugar comum. O escritor Clay Hammond (Dennis Quaid) abre o longa com uma visita a uma universidade para fazer uma leitura de alguns trechos de seu último livro que justamente conta a história de Jansen e das origens da obra que o levou à fama. Na plateia está a jovem Daniella (Olivia Wilde), uma grande fã do escritor que sonha em também seguir carreira no campo literário. Ela consegue um encontro particular com seu ídolo e com seu jeitinho sedutor consegue informações sigilosas a respeito de suas inspirações e modo de escrever, assim o longa inicia um diálogo entre realidade e ficção na qual as três tramas citadas são interligadas, deixando no ar a dúvida se Hammond criou a história do autor frustrado e seu sucesso meteórico ou se ele realizou uma obra autobiográfica na qual assume implicitamente seu erro da juventude em busca do sucesso sem medir as consequências. Todavia, a parte protagonizada por Quaid acaba sendo a menos interessante, principalmente porque seu personagem mostra-se frio em suas ações e falas e não temos subsídios para julgar seu caráter ou participar de seu universo, aparentemente de alto padrão de vida. 


Para quem gosta de produções que apostam em narrativas entrecortadas e com um final arrebatador fica o aviso de que a conclusão neste caso dispensa o clímax, talvez uma forma de colocar o espectador para refletir tal qual um bom livro ao término de sua leitura. É comum que em projetos assim alguma trama possa ser ofuscada por outra mais interessante, no caso, o bloco protagonizado por Cooper é o que chama mais atenção por vários motivos. Além de ocupar a maior parte do tempo, atiça ainda mais a curiosidade quando entra em cena Irons interpretando uma figura misteriosa e complexa. Ficamos atentos se encontramos algum detalhe que nos ajude a decifrar a personalidade do idoso que deixa explícito em seu modo de falar que a escrita corre em seu sangue devido a forma pausada que articula seus lábios a fim de dar a entonação correta para cada palavra escolhida a dedo para exprimir sarcasmo ou melancolia, por exemplo. No fundo o verdadeiro escritor do tal best-seller quer apenas que Jansen aprenda uma lição: não há castigo mais doloroso que carregar o peso de saber que seu sucesso é uma fraude. As Palavras perde um pouco de seu impacto por descartar as consequências jurídicas e de reação por parte dos populares e da mídia caso o plágio viesse a tona, mas convence ao mostrar o martírio do protagonista tentando remediar o passado. Ele seria um vilão ou um legítimo mocinho? Nem um e nem outro, apenas um ser humano comum tentando acertar e ludibriado pela euforia da possibilidade de vencer com o mínimo esforço

Drama - 102 min - 2012

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Um comentário:

Marcelo Keiser disse...

Sempre queria assistir a esse filme, mas nunca tive uma boa oportunidade para isso. Agora fiquei em dúvida. Gosto do elenco principal, e do gênero ao qual se encaixa. Além do enredo em si... Mas lendo seu texto vejo que as abordagens realizadas não foram muito felizes. Fica para o futuro...

abraço