quarta-feira, 27 de maio de 2020

IMPÉRIO DOS LOBOS


Nota 6 Suspense policial prende atenção com duas tramas paralelas violentas e impactantes


O ator Jean Reno é uma espécie de Juliette Binoche de calças.  Ambos trabalham muito na França onde são reverenciados com pompas, assim como também não lhe faltam convites para produções hollywoodianas. Ele é o grande nome do suspense policial Império dos Lobos, produção do diretor francês Chris Nahon que recicla a velha fórmula da caça a seriais killers. A trama escrita pelo próprio cineasta em parceria com Christian Clavier e Franck Olliver, é uma adaptação do romance de Jean-Christophe Grange, mesmo autor do livro "Rios Vermelhos", que também ganhou uma adaptação cinematográfica protagonizada por Reno que aqui da vida ao policial aposentado Jean-Louis Schiffer. Na realidade este investigador foi afastado do cargo e até sua carteira de motorista foi apreendida por conta de um fato de seu passado. De qualquer forma, sua ajuda foi requisitada por Paul Netteaux (Jocelyn Quivrin), um policial mais jovem que está às voltas com um complicado caso. 

Existe a suspeita de que um assassino em série está a solta e que já vitimou três imigrantes turcas, todas vivendo ilegalmente na França, portanto, não há documentos para descobrir suas identidades. Em comum, todos os corpos foram encontrados mutilados e com suas faces extremamente desfiguradas, o que leva a crer que o assassino faz isso como uma espécie de assinatura ou ritual. Schiffer desconfia que o criminoso faz parte de uma máfia especializada em imigrar pessoas ilegalmente e as venderem para trabalho escravo. O líder seria Malek Dfessur (Vincent Grass), também conhecido como Marius, bandido famoso na região, mas que acaba agindo com liberdade pelo medo que as pessoas tem de denunciá-lo. A dupla de policiais então decide se infiltrar no submundo, mas o modo violento de Schiffer agir bate de frente com o estilo mais racional de Netteaux. Possivelmente tal agressividade é o motivo do veterano investigador ter sido obrigado a aceitar uma aposentadoria forçada, mas Nahon felizmente evita aqueles clichês envolvendo pessoas completamente opostas obrigadas a trabalhar juntas levando com seriedade o entrosamento da dupla em busca de um bem maior. 


Paralela a essa trama, acompanhamos também o sofrimento de Anna Heymes (Arly Jover), uma mulher que sofre de terríveis alucinações, lapsos de memória e que não reconhece nem mesmo Laurent (Philippe Bas), seu marido, a quem por vezes considera um completo estranho. Por outro lado, outros rostos que ela não lembra a identidade acabam por lhe causar um desconforto inexplicável. Preocupado com a saúde mental da esposa, Laurent a submete a um inovador tratamento neurológico, inclusive expondo-a a substâncias controladas pelo exército, mas Anna começa a questionar que possa existir uma conspiração entre o marido e a equipe médica para persuadi-la quanto a sua loucura. Ela procura então a ajuda da psicóloga Mathilde (Laura Morante) e juntas tentam encontrar razões lógicas para esses problemas mentais, mas jamais podiam imaginar o que iam descobrir. Tal qual a trama do livro, o gancho policial e o drama particular de Anna vão sendo narrados alternadamente até que os dois se encontram e culminam em um desfecho perturbador ao revelar a que ponto chega a maldade do ser humano. 

O roteiro alinhava com destreza diversos elementos, desde o expressivo fundo político e social, a inserção de uma envolvente trama policial que cresce surpreendentemente em torno do protagonista. Além das motivações pessoais de cada personagem e de como elas se cruzam na resolução dos crimes, a trama consegue prender a atenção do espectador pela contínuo clima de tensão incrustado em sua narrativa sombria e com toques de crueldade. Cada elemento cumpre seu papel num tempo adequado dentro da trama maior, contudo, o ponto alto da obra é justamente o que seria o defeito da maioria das produções norte-americanas da seara. Todos os macetes, clichês, sequências óbvias, personagens caricatos e excentricidades do gênero estão inegavelmente bem empregadas em função da qualidade dos recursos técnicos aplicados pela produção, que tem um funcionamento redondo deixando toda trama alinhada e em perfeita sintonia. Até o perfil dos atores escolhidos para dar vida aos investigadores também colabora para não existir o costumeiro choque visual (o gordo e o magro, o baixinho e o alto, o fortão e o franzino), assim temos em cena e uma explosiva combinação entre astúcia e força bruta, racionalidade e rapidez.


Império dos Lobos pode não envolver o espectador logo pelos primeiros minutos, mas quem se esforçar certamente terá uma agradável surpresa e mais uma vez ter a chance de desmistificar a ideia de que filme francês é chato. Aliás, a indústria de cinema do país está cada vez mais se especializando em produções de orçamento baixo, mas com ares de superprodução. Neste caso, não temos apenas um bom enredo que recicla clichês com perfeição, mas também uma história com temas provocantes e relevantes. Além da ambientação soturna, vale a ressalva para as fortes cenas de violência, uma forma de mostrar que por trás de toda beleza que costumamos associar à França existe um submundo tão cruel quanto o que acostumamos a ver nos subúrbios retratados nos filmes norte-americanos. Realmente esta é uma produção que mostra que os franceses estão no caminho certo para competir no mercado cinematográfico mundial, pena que o preconceito enraizado nas massas fez com que este trabalho tenha sido rechaçado por crítica e público.

Suspense - 128 min - 2005 

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