segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

LICENÇA PARA CASAR


Nota 4 Para reduzir divórcios, religioso aplica testes que são verdadeiras provas de fogo aos noivos


A instituição do casamento está em crise! Embora ainda existam muitos casais dispostos a se unir seguindo todas as convenções do matrimônio religioso, é fato que a quantidade de divórcios é assustadora, inclusive de uniões que chegam apenas a durar alguns meses, semanas ou até poucos dias. Se os convidados da festa podem se sentir magoados ao descobrirem que seus presentes nem chegaram a ser usados pelos noivos, imagine a sensação de frustração das famílias dos pombinhos que gastaram horrores com igreja, burocracia, roupas e comes e bebes. No fundo quem lucra com esses fracassos são costureiros, cabeleireiros, buffets e lojas de apetrechos domésticos e eletrônicos. Chega a ser absurdo pensar que o casamento acabou se tornando um comércio e um veículo de ostentação e os verdadeiros sentimentos que deveriam estar envolvidos no evento ficam em segundo plano. Talvez pensando nisso é que  os roteiristas Kim Barker, Vince Di Meglio, Wayne Lloyd e Tim Rasmussen tiveram a ideia para a comédia Licença Para Casar. Assumidamente água-com-açúcar e com final feliz garantido, a pergunta que não quer calar é se realmente eram necessárias quatro cabeças para roteirizar um filme tão previsível e irregular.

A trama tem como protagonista um jovem casal que apesar de já morar junto a algum tempo decide regularizar a situação no cartório e perante a igreja. Sadie (Mandy Moore) e Ben (John Krasinski) passaram todo o período de namoro às mil maravilhas e nem a ligeira diferença de classe social estremeceu a relação, assim o casamento tinha tudo para dar certo. Ironicamente os problemas surgem justamente nos preparativos da festa. Eles resolvem aceitar a sugestão da família da moça e pretendem celebrar na mesma igreja em que os pais dela se casaram. O local é comandado a punhos de ferro pelo reverendo Frank (Robin Williams), figura querida e respeitada pela comunidade e que até dá uma forcinha para os noivos encontrando uma data na disputada agenda de matrimônios. Eles terão apenas três semanas para preparem a festa, mas dos males esse é o menor. O grande problema é o curso preparatório ministrado pelo pároco. Frank criou e patenteou uma espécie de vestibular matrimonial que visa descobrir se os noivos realmente estão preparados para a união, quiçá descobrir se realmente se amam a ponto de suportarem os pequenos problemas cotidianos que vão desde o mau hálito ao acordar até a troca de fraldas dos futuros filhos. As intenções até que são válidas procurando resgatar a importância do matrimônio e diminuir o número de separações, mas o problema é que o religioso, desculpe a heresia, é infernal e conta até com a ajuda de um guri capetinha  (Josh Flitter) para testar os casais até o limite da paciência. 


Ben, completamente apaixonado, obviamente não se recusa a realizar o desejo da namorada e mesmo não simpatizando com Frank aceita fazer o cursinho. Sempre com um sorriso estampado no rosto, o pastor não tem o menor pudor e intromete-se na intimidade dos noivos com a maior cara-de-pau e os submete a uma série de situações humilhantes e desconfortantes para avaliar a maturidade e seriedade do casal. Entre os vários micos que passam, Ben e Sadie terão que cuidar de uma dupla de bebês de brinquedo com uma incrível capacidade para chorarem alto e sujarem fraldas. Também terão que se submeter a abstinência sexual, talvez a maior prova de fogo que poderia ser imposta ao noivo, mas sua companheira é muito devota a religião e quer cumprir o regime de cama fielmente. Será que hoje em dia tal situação é crível? Religião não se discute, mas é fato que fanáticos não medem esforços para cumprir mandamentos por mais absurdos que possam parecer para o século 21, contudo, tal argumento enfraquece neste caso a narrativa que aparentemente é apenas uma desculpa para divulgar o nome de Moore. Com um clássico romântico no currículo, Um Amor Para Recordar, a atriz e cantora busca incessantemente um novo sucesso, mas está difícil. Sadie é uma personagem insossa que parece estar de bem com a vida mesmo com todos os perrengues proposto por Frank. Impossível crer em tanta ingenuidade, até porque se ela fosse tão religiosa ela jamais aceitaria dividir a cama com o namorado antes de trocar as alianças. 

Krasinski, na época mais conhecido por atuações em séries de TV, não tem aquele perfil de galã garanhão ou valentão, mas talvez seja justamente este perfil de homem comum que o faça ser o destaque da produção, ainda que não consiga atingir o clímax de interpretação necessário nos momentos exigidos. Pelo menos desde o início seu personagem demonstra um pé atrás com as atitudes de Frank e sua participação na trama cresce a partir do momento em que ele passa a investigar o passado do religioso. Já Williams, que teoricamente deveria ser o chamariz, acaba não conquistando o espectador. Embora seu personagem arquitete situações divertidas, ao mesmo tempo ele é insuportável e com momentos de exagero desnecessários. Seu assistente dá a entender que a lista de alunos do curso que desistiram do casamento é extensa, mas curiosamente a imagem do reverendo permanece inabalável perante a comunidade, algo necessário para colocar o casal protagonista na posição de heróis, aqueles que venceram o desafio e não sucumbiram as provocações. Quando finalmente entram em acordo que Frank é um capeta e que seu único objetivo é separá-los, Ben e Sadie partem para a corrida contra o tempo para retomar a harmonia do relacionamento, afinal o happy end não pode faltar.


Sem despertar emoções no espectador, a atuação do casal principal consequentemente acaba sendo comprometida, soando constrangedores momentos como em que Ben é obrigado a guiar Sadie vendada na direção de um veículo, mais um exercício para testar a confiança em sua parceira. O diretor Ken Kwapis investe pesado em momentos insanos, mas não foge do lugar comum. Licença Para Casar é uma reunião de clichês com o único objetivo de fazer o espectador manter um sorriso constante, seja de piadas bobinhas, repugnantes ou de duplo sentido, apoiando-se principalmente no carisma e fama de Williams que não deve ter feito esforço algum para interpretar um papel que sintetiza praticamente tudo aquilo que o ator fez durante toda a sua carreira no campo de humor, além de usar o improviso a vontade. Para quem não conseguir achar graça alguma em uma narrativa que se bem analisada não se conecta com os tempos atuais (podendo ser um argumento válido para uma comédia de época), o diretor foi bondoso e tentou compensar a frustração nos créditos finais apostando em erros e armações das filmagens. De qualquer forma, algumas discussões a respeito sobre a futilidade e o comércio que se tornou o casamento salvam o longa de ser um desastre total.

Comédia - 90 min - 2007

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