sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

ANACONDA


Nota 6 Obra trash causa risos involuntários com narrativa rasa e efeitos especiais duvidosos


Vítimas de mutações genéticas ou geradas pela própria natureza em decorrência das ações em nome do progresso, animais tornam-se ferozes, com força descomunal e passam a atacar os humanos. Essa é uma das premissas mais clássicas dos filmes trashs e coisas do tipo bombavam nas salas de cinema, mas a repetição da fórmula acabou gerando produtos de nicho para atender exclusivamente o mercado doméstico. Ninguém mais queria pagar um dinheirão para ver em tela grande cães assassinos, ratos endemoniados, aranhas gigantes, vermes malditos, cobras superdesenvolvidas... Epa! Para esse último tipo de besta tinha público sim, caso contrário Anaconda não teria chegado aos cinemas às portas do século 21. Na época do lançamento, enquanto Steven Spielberg aperfeiçoava sua técnica para dar vida novamente aos dinossauros na continuação de Jurassic Park e George Lucas preparava o resgate da franquia Star Wars apoiado em novas tecnologias, o diretor Luis Llosa tentava fazer seu blockbuster com uma cobra gigantesca feita de borracha e partes mecânicas. Claro que há emprego de efeitos especiais, mas no caso eles parecem defeitos na maioria das cenas realçando a qualidade fake da produção que surpreendentemente conseguiu cobrir seu orçamento e ainda gerar uma boa margem de lucro. 

Para uma produção cuja grande diversão é descobrir em que condições cada personagem será assassinado e quem sobrará para contar história, é um exagero três cabeças trabalhando em cima de um mesmo fiapo de argumento. Hans Bauer, Jim Cash e Kack Epps Jr. assinam o texto que narra as desventuras de um grupo de pesquisadores que cai nas mãos de um homem sem escrúpulos. O professor Steven Cale (Eric Stoltz) e a cineasta Terri Flores (Jennifer Lopez) estão em busca de uma tribo perdida da Amazônia para filmar um documentário. Na equipe ainda estão Danny (Ice Cube), Warren (Jonathan Hyde), Kari (Denise Kalberg) e Gary (Owen Wilson), todos personagens minimamente desenvolvidos, afinal marcam presença apenas como opções de cardápio da anaconda. Viajando pelo rio Amazonas em um precário barco, logo o grupo se junta ao aventureiro Paul Sarone (Jon Voight) que promete auxilia-los na busca, mas não demora a abortarem a missão diante dos mistérios e perigos que parecem cercar a região. O guia então insiste em indicar o melhor caminho de volta, mas na realidade tem um plano e cria um motim para conseguir ficar com a embarcação e assim poder tentar encontrar a lendária cobra. Todos se revoltam, mas não havia alternativa a segui-lo nesta loucura, a não ser que eles próprios se livrassem do golpista. 


Em meio a intrigas, brigas e momentos piegas de sentimentalismo, os personagens vão sendo atacados pela anaconda que vira e mexe é atraída até eles por Sarone quando na verdade os outros a querem bem distante. O conflito é raso, pois o show é da titular que entra em cena fazendo movimentos audaciosos, ou melhor, fantasiosos. Ela sobe em árvores com rapidez, se enrola nas vítimas feito serpentina e pega presas no ar como se fosse dotada de asas. Ela ainda tem o dom das sete vidas tal qual um gato, pois escapa de uma saraivada de tiros e sobrevive a um incêndio. Tudo isso é apresentado com computação gráfica precária, mas o conjunto acaba sendo divertido por provocar risos involuntários, requisito essencial para uma produção trash que se preze. E não é só a cobra que é literalmente dura de matar. Os humanos sofrem o diabo, mas mesmo feridos são capazes de realizar feitos dignos de super-heróis, sendo o mais incrível de todos o personagem de Voight que parece ser indestrutível. E para quem está acostumado a ver Wilson em comédias pastelões, deve ser curiosa sua participação, embora involuntariamente o ator sirva como alívio cômico. Impagável a cena em que a anaconda passeia bela e faceira pelas águas do rio com o personagem Gary dentro da barriga com a silhueta do rapaz bem marcada no corpo esguio da serpente dando até para perceber sua expressão de dor. 

Nós pobres tupiniquins mais uma vez tivemos nossa pátria retratada como uma terra hostil e selvagem. As locações escolhidas e o modo de Llosa usar sua câmera passam a impressão de um país ainda não desbravado e o pior de tudo é a sensação de que a qualquer momento um índio, jacaré ou macaco vai tomar de assalto a tela, mas a estrela da festa é a serpente que dá título a esta aventura, uma gigantesca e feroz espécie que é quase uma lenda do folclore brasileiro. Muitos dizem que ela realmente existe e em grandes quantidades embrenhadas nas regiões de mata fechada da Amazônia, enquanto outros afirmam que cobras do tipo fazem parte de famílias de espécies já conhecidas, mas que acabaram superdesenvolvidas por diversos fatores. Bem, para que se preocupar com detalhes quando os próprios envolvidos na produção do longa não se esforçaram para imprimir credibilidade à obra, afinal ao que tudo indica este produto foi lançado com o intuito de devolver status a um subgênero esquecido e que tem seu público fiel que consegue enxergar no lixo o luxo. Llosa já havia passeado por terras latinas cinco anos antes para filmar Inferno Selvagem, uma aventura obscura, mas parece que não aprendeu com seus erros e mais uma vez quis explorar a exótica imagem que muitos têm a respeito dos países que se encontram ao sul da linha do Equador no hemisfério ocidental. 


Para não dizer que tudo é mal feito, o prólogo com o ator Danny Trejo consegue atingir um efeito  interessante, como se a câmera fizesse as vezes dos olhos da anaconda prestes a atacá-lo. Também vale a menção a cena de explosão de uma barragem que abrigava vários ninhos de cobras que depois são lançadas para a embarcação dos personagens, sequência que transmite asco ao espectador justamente por usar serpentes de verdade. Contudo, não há como deixar de lado o excesso de erros existentes em Anaconda. Roteiro com furos, cenas ridículas, incoerências na ambientação e contexto, interpretações fraquíssimas e efeitos especiais constrangedores. Tá bom ou quer mais? Ah, não se pode deixar de comentar da cachoeira cujo fluxo da água é de baixo para cima. É só vendo para crer. De qualquer forma, o longa tem certa importância por fazer reverência a um subgênero que já teve sua importância em algum momento na sétima arte, principalmente no período do boom das videolocadoras, e acabou gerando uma franquia de relativo sucesso, embora a cada novo episódio a qualidade despencasse vertiginosamente em todos os aspectos já negativos do original.

Suspense - 89 min - 1997 

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