terça-feira, 19 de dezembro de 2017

AS AVENTURAS DE BOBBY

NOTA 7,0

Apesar do título e inocência do
enredo, longa é baseado em uma
tocante história real e propõe
reflexões e fatos históricos
Um cachorrinho meigo e um garotinho estampam a capa do DVD cujo título é o sugestivo As Aventuras de Bobby. Eis aí mais um típico filme para divertir a criançada e dar um pouco de sossego aos adultos enquanto elas estão entretidas. Bem, na realidade ta aí um produto que vem para desmitificar preconceitos. Sem falar uma palavra sequer, felizmente, o cãozinho é a arma para fisgar o público infantil, porém, a essência da história pode ser tediosa aos pequenos, principalmente por não ter muito humor ou aventura. A base do roteiro de Richard Mathews e Neville Watchurst traz certos pontos mais comuns ao universo dos adultos, tais como poder e dinheiro, mas por outro lado o filme pode ser inocente demais para o público mais velho, ainda que traga mensagens universais como fidelidade e solidariedade. De qualquer forma, o diretor John Henderson, também co-roteirista, consegue equilibrar de maneira satisfatória elementos que conjugam bem com estes dois universos distintos, resultando em um agradável filme-família. Logo no início acompanhamos o cachorrinho Bobby salvando seu dono, o vigia noturno John Gray (Thomas Lockyer), do ataque de um touro e sendo aplaudido pelos populares que elogiam a coragem e a força de um bichinho tão pequeno e aparentemente frágil. Ele é o xodó também de Ewan Adams (Oliver Golding), garotinho que, embora muito inteligente, está desperdiçando sua infância trabalhando no moinho do arrogante Sr. Duncan Smithie (Sean Pertwee), um empresário mau caráter que quer lucrar explorando seus funcionários com jornadas e condições de trabalho proibitivas. Gray gostaria muito de ajudar o menino a mudar os rumos de sua vida, assim como o Reverendo Lee (Greg Wise) que há tempos tenta com seus sermões mudar os pensamentos provincianos da população de Edimburgo, na Escócia, também conhecida como a Cidade Velha. Gray estava com a saúde debilitada e veio a falecer antes de ver qualquer tipo de mudança, mas conseguiu ter tempo para dar à Ewan um livro sobre homens que ajudaram a mudar a História do mundo, um incentivo para o menino procurar fazer o que ele não conseguiu. Bobby sentiu muito a perda do dono e diariamente, inclusive a noite, fugia para o cemitério e permanecia próximo ao túmulo. James Brown (James Cosmo), o zelador do local que se encontra nas terras da igreja, bem que tentava afastá-lo seguindo as normas de que animais eram proibidos, mas o cãozinho sempre voltava.

Certa vez, Smithie visitou a igreja, pois como pessoa influente deveria manter relações amistosas com a religião e vez ou outra fazer alguma caridade, e se irritou com a presença de Bobby, algo justificado pelo Reverendo como uma necessidade para acabar com os ratos. Levemente afrontado por ter recusado o seu pedido de sacrificar o animal, que chega a urinar em seus pés, o empresário sente que está sendo vítima de chacotas pela população que pela primeira vez via sua soberania não surtir efeito. Eis que cai do céu a notícia de que Maureen Gray (Gina McKee), a viúva do vigia, decidiu ir embora dá cidade levando o cachorro. O tempo passa e Ewan e Brown se entristecem, os ratos começam a se multiplicar e o próprio cão demonstra estar infeliz, assim sua dona decide libertá-lo para voltar à Edimburgo. No tradicional e epifânico momento desse tipo de filme, Bobby vence os desafios que surgem na terra e na água e após muitos dias de viagem sozinho chega ao seu destino sendo ovacionado pela população como um herói e adotado por Ewan. Tal retorno soa para Smithie como uma ameaça, um modo de dizer que sua palavra não é mais uma ordem, assim ele parte para o ataque literalmente. Primeiro tenta sumir mais uma vez com o bicho, mas após várias tentativas falhas resolve jogar pesado e atacar diretamente Ewan e sua mãe, Ada (Kirsty Mitchell). Para os mais grandinhos e com o mínimo de cultura, a partir de então o longa perde um pouco de sua inocência e os remete ao passado, aos ensinamentos das aulas de História. A trama se passa em 1858, época de reviravoltas. Após a Idade Média, época em que religiosos e governantes mantinham estreitas relações e cometiam abusos e atrocidades para manter suas soberanias, os anos seguintes foram marcados por transformações. A Igreja demonstrava se preocupar mais com os interesses de seus fiéis e os poderosos passaram a ver pouco a pouco seu poder de influência se esvair. Aqui a figura do poder é o empresário Smithie, a quem praticamente toda a cidade devia respeito pelos anos que seu moinho gerou emprego e o mínimo de renda, e também é representada pelo Sr. Johnson (Ronald Pickup), o dono do orfanato local que também tratava as crianças como prisioneiros.  Um simples fato pode ser o estopim de uma catástrofe. Pode parecer pouco crível que a recusa do sacrifício de um animal possa ferir tanto o orgulho de uma pessoa, mas infelizmente as coisas são assim mesmo, ainda mais em tempos em que os poderosos estavam se adaptando aos novos tempos, experimentando o sabor do declínio e das revoltas populares.

Vendo por esse prisma histórico-cultural, a produção surpreende pela coragem de introduzir assuntos tão controversos ao universo infantil, o que justifica a forma superficial com que são tratados, ainda que Henderson não faça questão de esconder alguns pontos críticos que são perfeitamente  compreendidos pela molecada. Só pelo fato do Sr. Smithie ser assimilado como um vilão sem a necessidade de uma caracterização estereotipada já vale o esforço do diretor que se apoia em uma bela cenografia, figurinos e fotografia para transportar o espectador à outra época. Claro que não é uma superprodução, porém, cumpre seu papel não só como entretenimento, mas também como fonte de cultura. Apesar de boa parte da narrativa surpreender com situações que não eram previstas, é óbvio que o cãozinho Bobby é a estrela e terá seus momentos de ser alçado a herói. Depois de várias provas de coragem, inteligência e de amor e lealdade do cachorrinho à Ewan, Smithie tira a sua última carta da manga, uma lei que proíbe a circulação na cidade de animais sem registro. Como seu primeiro dono faleceu, quem iria reconhecê-lo e pagar o imposto previsto? Na reta final surge o veterano Christopher Lee na pele do Lorde Provost de Edimburgo a quem Ewan recorre para fazer valer o consenso de que se o animal não tem dono registrado ou vivo ele pode ser adotado por qualquer um e graças a esse episódio o garoto e toda a população da cidadezinha compreendem que há muito que se fazer para mudar os rumos do local. Quem achou que a premissa é muito semelhante a de Sempre ao Seu Lado, drama baseado em fatos reais em que o personagem de Richard Gere quando morre também deixa um cãozinho inconsolável que diariamente ia até a estação de trem esperá-lo como de costume, vale como curiosidade saber que antes de Hachiko emocionar a todos com sua devoção e ganhar uma estátua em espaço público no Japão (o conto original foi adaptado para a versão de cinema americana) foi Bobby quem teve tal honraria. Sim o protagonista deste filme existiu de verdade e por 14 anos guardou o túmulo de seu dono, ganhando uma fonte em sua homenagem um ano depois de sua morte que até hoje é um dos pontos turísticos de Edimburgo. Sua história, incluindo as desavenças com um poderoso empresário e seu sacrifício sendo levado a julgamento no tribunal, já foi contada em vários livros e ganhou até outra versão em live-acton, Meu Leal Companheiro, pelos estúdios Disney nos anos 60. Estão vendo como as aparências enganam? Quem diria que o título As Aventuras de Bobby podia superar expectativas.

Aventura - 105 min - 2005

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