sábado, 15 de janeiro de 2022

MADRUGADA DOS MORTOS


Nota 7 Além de uma repaginada no estereótipo dos zumbis, longa traz crítica social implícita


Quem decide assistir um filme a respeito de zumbis quer ver essas criaturas bizarras aos montes e o máximo de tempo possível na tela, então para que perder tempo com conversa fiada? O diretor Zack Snyder fez sua estreia com Madrugada dos Mortos em grande estilo e justamente atendendo aos anseios dos fãs de terror: partindo direto para a ação. Em menos de cinco minutos a protagonista Ana (Sarah Polley) já é vítima de uma adolescente zumbi, ou melhor, seu marido é atacado e transformado também em um morto-vivo, mas ela consegue escapar do ataque. Tanta agilidade pode ser justificada como uma forma de inserir os zumbis em uma nova realidade. George Romero é considerado até hoje o mestre dos filmes de terror desse tipo e criou o estereótipo de que estas criaturas decrépitas deveriam andar vagarosamente, tropeçando entre as próprias pernas e com olhar entorpecido. Não a toda Snyder optou para seu debut no cinema pela refilmagem de uma de suas obras, O Despertar dos Mortos, porém, acabou fazendo muito mais que uma homenagem conseguindo desvincular a imagem de que terror com zumbis é sinônimo de filme trash, algo conquistado com criatividade e também um bom orçamento, algo raro oferecido a esse tipo de produção.

O roteiro de James Gunn não se preocupa em dar explicações para a existência dos zumbis, descartando hipóteses relacionadas a cultos de satanismo ou reações químicas, as desculpas mais comuns da seara. A certa altura simplesmente é mencionada uma frase profética a respeito de que o Inferno já está tão lotado que os mortos são obrigados a vagar pela Terra. Para que tentar justificar o que não tem explicação, ainda mais quando o objetivo é entreter e saciar a sede de sangue do público aficionado? Contudo, isso não quer dizer que o longa é desprovido de clima de tensão, afinal de contas o próprio espectador teoricamente já está com o espírito preparado e na espera de que a qualquer momento um morto-vivo vai dar as caras. Os créditos iniciais já dão a tônica do filme, com cenas rápidas e impactantes entrecortadas por noticiários da TV denunciando que um fenômeno inexplicável está tomando conta do mundo todo. A citada Ana é enfermeira e depois de um exaustivo plantão chega em casa e nem dá bola para os informativos que não param de pipocar informações sobre mortos que estão ganhando as ruas e invadindo casas em busca de carne humana. Detalhe, cada nova vítima acaba se tornando também um zumbi. A enfermeira só toma conhecimento da gravidade da situação quando foge de casa, sequências que, diga-se de passagem, chamam a atenção pelo apuro técnico para transmitir a nítida sensação do caos instaurado, com direito a perseguições alucinantes, incêndios e acidentes de carros. 


Ana encontra alguns outros sobreviventes, assim se junta ao policial Kenneth (Ving Rhames), ao valentão Michel (Jake Weber), ao malandro de rua Andre (Mekhi Phifer) e sua esposa Luda (Inna Korobkina), que está grávida. O grupo então procura abrigo em um shopping center ainda fechado, o lugar que julgam ser mais seguro. Lá eles se juntam a alguns seguranças que pouco ajudam, mas não demora muito para os canibais invadirem o estacionamento e cercarem o prédio. Ao contrário do que geralmente acontece nesse tipo de produção, quando ficamos na expectativa de quem será a próxima vítima, neste caso torcemos para que os zumbis não consigam invadir o shopping, pois queremos aproveitar ao máximo a convivência desse grupo de estranhos que passam por apuros e momentos divertidos. Enclausurados, sem saber se sobreviverão se isso acontecer quando será, o que fazer para passar o tempo? Lágrimas e unhas para roer uma hora cessarão, então o jeito é tentar manter a mente ocupada para não cair no desespero. Assim, eles passam a explorar o shopping deserto, jogam carteado, conversam sobre suas vidas e até articulam uma maneira de se comunicar com outro sobrevivente que também está ilhado em um prédio da vizinhança. Isso sem falar nas brincadeiras de tiro ao alvo que fazem com os mortos-vivos. Só faltou um churrasquinho na laje para a diversão ser completa.

Focar boa parte do tempo nas atividades e emoções dos humanos isolados reforça que o filme não é banal. A mensagem original criticava o consumismo desenfreado, mas a opção de manter as ações dentro de um centro de compras na refilmagem ganha uma outra conotação: tal espaço serve como uma fortaleza, um local onde pessoas poderiam sobreviver por tempo indeterminado sem se importar com o que acontece do lado de fora. Há uma crítica implícita a quem opta por morar em condomínios fechados ou edifícios onde não é preciso sair para fazer mais nada e a vida lá fora pouco lhe importa, mas tal mensagem acaba sendo diluída ou até mesmo anulada em meio a cenas de tensão e outras que flertam com o bizarro. Temos situações grotescas (em sentido positivo) como o nascimento de um bebê-zumbi e a transformação de uma velha obesa em morta-viva sanguinária. Aliás, aqui os humanos recém-mordidos demoram um pouco para perceberem os efeitos da contaminação, o que injeta um pouco mais de tensão, pois os que gozam de saúde ao mesmo tempo em que querem exaltar o espírito de solidariedade também ficam receosos de manter um infectado entre eles que a qualquer momento pode se transformar em ameaça. Alguns podem se decepcionar por não haver muito tempo de tela para os zumbis, diga-se de passagem, muito bem caracterizados e articulados tornando-os realmente ameaçadores, mas a adrenalina e fluência da história compensam tal falha, assim como também redime o longa da superficialidade de seus personagens.


Os produtores enxergavam no projeto a possibilidade de resgatar um gênero de nicho que andava adormecido, no entanto, produtos similares lançados posteriormente não causaram barulho e maioria só reforçou a imagem trash do subgênero. Ainda bem que o longa também não gerou uma continuação, pois dessa forma a obra de Snyder conseguiu manter-se em evidência e pode ser vista como uma pequena joia do terror, um produto diferenciado que ousou brigar pela preferência do público enfrentando a avalanche de remakes de horror orientais tão em alta na época. Além da repaginada no comportamento dos zumbis, o diretor, egresso do mercado publicitário e de videoclipes, injetou dinamismo e humor ao enredo original e conseguiu dosar bem a exploração de sangue e vísceras. O que decepciona é que ao término não encontramos uma justificativa plausível para o título nacional, mas isso é o de menos. Madrugada dos Mortos é produto do tipo ame ou odeie. Não foi feito para mudar a cabeça de quem assumidamente não curte morbidez e escatologias, mas sim para agradar aos fãs do estilo e quiçá angariar novos adeptos. Aos apressadinhos, prestem atenção: quando estiverem falando cobras e lagartos pela conclusão abrupta, fiquem ligados que durante os créditos finais, de forma frenética e entrecortada, temos um final digno, ainda que previsível.

Terror - 100 min - 2004 

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2 comentários:

Marcelo Keiser disse...

Naquela época Zack Snyder já dava indícios que vinha para estremecer o cinemão a partir desse remake, que para mim é um dos poucos filmes que se mostram válidos numa infinidade de outras refilmagens já realizadas. Nunca assisti ao original, mas sei bem de sua reputação. Adoro esse filme!

abraço

Ramon Pinillos Prates disse...

Esse sem dúvidas é o melhor filme de Zack Snyder.