quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

O TANGO E O ASSASSINO

NOTA 5,5

Robert Duvall aposta em trama
policial com menos ação e mais
conteúdo, mas acaba se perdendo
nos passos de dança e na lentidão
Robert Duvall é um intérprete que possui um currículo extenso e ganhou em 1983 o Oscar de Melhor Ator pelo drama A Força do Carinho, mas quem se lembra disso hoje em dia? Infelizmente o passar dos anos não foi generoso com ele ao contrário do que aconteceu com Jack Nicholson ou Robert De Niro, por exemplo, que foram agraciados com a maturidade, ainda que alternando bons projetos com outros esquecíveis e períodos de ócio. Já o nome de Duvall não é tão popular, pouco encabeçou elencos nos últimos anos, mas é certo que seu rosto é conhecido, o problema é que seu tipo comum o faz se perder em meio a multidão que quer conquistar ou manter espaço no cinema. Pode não contar com nenhuma característica física que o faça se destacar, mas felizmente seu talento está acima disso, pena que não é merecidamente reconhecido. Talvez pela falta de bons papeis para sua idade, em 2002 o veterano criou literalmente o filme perfeito para tentar voltar aos holofotes. Em O Tango e o Assassino ele não é só o astro principal, mas também assinou a direção, o roteiro e a produção deste suspense policial que acabou não fazendo muito barulho. Aqui ele dá vida a John J., um assassino profissional nova-iorquino que esconde a profissão da atual namorada, Maggie (Kathy Baker), e da filha dela, a pequena Jenny (Katherine Micheaux), garota por quem ele se dedica como se fosse seu pai verdadeiro e com quem compartilha o gosto pela dança de salão. Ele frequenta o salão de baile de Frankie (Frank Gio), que tem como atividade paralela ser uma espécie de empresário para o matador, aquele que articula suas missões. O plano do momento é que John vá para a Argentina assassinar um ex-general que serviu à ditadura militar e à repressão que assolou o povo nos anos 70, um servicinho de no máximo três dias. O problema é que o alvo sofreu um acidente caseiro e não chegará ao país na data prevista, assim o matador precisará ficar mais duas semanas longe de casa e se enfurece, mas não demora a seu ânimo mudar. Para passar o tempo ele decide passear pelos pontos turísticos de Buenos Aires e entra por um acaso em um salão de tango onde conhece Manuela (Luciana Pedraza) com quem passa a aprender o legítimo tango argentino com toda a sua sensualidade implícita.

Embora queira mais que tudo chegar a tempo do aniversário de Jenny, há males que vem para o bem. Por força das circunstâncias, John acaba tendo prazeres inesquecíveis, traindo a namorada com a dançarina de tango na cama ou até mesmo no salão de baile, e tem a chance de salvar sua vida. Logo que chega na Argentina, ele foi recebido por Miguel (Ruben Blades), homem aparentemente simples que com o apoio da família tenta justificar a encomenda do crime devido a fatos impunes envolvendo o passado do militar que os atingiram. Um ato violento para punir outro de mesmo teor, vingança, algo corriqueiro no cotidiano de John que aceita trabalhos do tipo com a mesma calma que aceitaria ir buscar uma encomenda na padaria, porém, dispensa informações sobre as vítimas, não quer sentir piedade e tampouco ódio. Contudo, os dias a mais em terras argentinas lhe revelaram que esta missão não seria como as outras que realizara até então. A ordem não é só assassinar o tal general, mas que também sejam mortos todos os demais envolvidos na operação assim que ela terminasse, o que incluiria o próprio matador de aluguel para que não ficassem rastros do ocorrido. Assim, John passa a correr contra o tempo para se cercar de informações e tentar bolar uma emboscada para que consiga voltar aos EUA com vida. O argumento do fora-da-lei que inesperadamente se vê vítima de uma armadilha já não é uma novidade há anos e foi explorado em filmes de ação, suspense, dramas e até em comédias. Duvall propõe aqui uma nova interpretação da ideia e até mesmo sobre a forma de se conduzir uma trama policial, abrindo mão de vícios contemporâneos como os cortes frenéticos, trilha sonora pesada e reviravoltas desnecessárias. Suas opções narrativas, tais como ritmo pausado e preocupação com desenvolvimento de personagens e sequências, revelam o conservadorismo ou apenas o saudosismo deste profissional que certamente tem saudades da época em que até as fitas de ação se preocupavam com conteúdo. É até possível traçar um paralelo entre o estilo deste filme e o tango, afinal esta dança clássica também já teve seus dias áureos e hoje sobrevive em pequenos salões e casas de espetáculos, sendo Buenos Aires ainda seu berço cativo.

Estamos tão acostumados com narrativas quadradas, presas a um estilo, que provavelmente os primeiros minutos não devem animar o espectador atraído pela palavra assassino do título, mas a junção do tango já revela que corre-corre, tiroteios banais e pancadarias não fazem parte do pacote, muito menos o linguajar chulo. Fugindo de estereótipos, o longa começa mostrando John como um cidadão comum de uma região suburbana divertindo-se em um salão de dança. Sua alegria e disposição para confraternizar com os demais parecem revelar que ele não é um criminoso, mas que na verdade se tornará um, por acaso ou por motivos de força maior. No entanto, não demora muito a descobrirmos coisas sobre seu trabalho e deduzir seu passado. A expectativa de formar uma família tardiamente caracteriza que no passado sua profissão o proibia de relacionamentos, seja por falta de tempo ou vergonha. Dono de um salão de beleza, provavelmente um comércio de fachada tal qual o estabelecimento de Frankie, há anos ele é respeitado e bem visto na comunidade e aprendeu com o tempo a lidar com os pontos negativos de sua profissão, dessa forma hoje vive plenamente feliz e encara novas missões sem pensar duas vezes. Assim como os carrascos na Idade Média matavam a pedido da Igreja e de monarcas, John está a serviço de quem manda atualmente, ou seja, trabalha para bandidos engravatados que se escondem atrás de mesas de diretoria ou ocupam vagas em órgãos do governo. Todas estas informações sobre o protagonista ocupam praticamente metade do filme, acompanhadas de cenas de apresentação de tangos que em menor número seriam benéficas ao conjunto, e justamente quando o clímax deveria surgir o nível de interesse tende a declinar. A reta final segue uma linha mais contemporânea de narrativa, inclusive optando por uma conclusão realista que evoca a impunidade que assola o mundo inteiro, mas de qualquer forma o charme trabalhado até então é deixado de certa forma para trás. Longe de ser uma fita dedicada a promover o turismo local, embora passeie por pontos de destaque da capital argentina, O Tango e o Assassino talvez seria um sucesso nos anos 70 ou até meados da década seguinte, mas as características que formulavam o estilo clássico de contar uma história densa hoje foram substituídos por outros que rotulam o novo jeito tradicional de fazê-las. Fora isso, os esforços de apresentar o protagonista como um ser normal, mocinho e vilão em um mesmo corpo, podem não cativar o público que ainda pode se enfurecer com a conclusão, afinal já nos basta a cruel realidade para nos lembrar que pilantras convivem livremente com pessoas de bem.

Suspense - 114 min - 2002 

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9 – 10 Excelente, praticamente perfeito do início ao fim
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