segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

VIGARISTAS

NOTA 7,0

Comédia tem estilo inovador
misturando referências a vários
 gêneros, mas resume-se a uma
tentativa de fazer algo diferente
Filmes a respeito de golpistas é o que não falta. Desde os saqueadores dos faroestes, passando pelos ladrões de banco e obras de arte até chegarmos a pirataria virtual, o cinema esgotou a temática e não se pode culpar Hollywood. O mundo todo usou e abusou dos clichês para contar histórias que no fundo nada mais são que o eterno duelo do Bem contra o Mal ou que falam descaradamente de pessoas que querem se dar bem na vida doa a quem doer. O problema é que a maioria dessas produções se preocupa tanto na elaboração dos planos de roubos para que não fique uma só pontinha solta (o que é muito difícil) que se esquecem de desenvolver as personagens e é nesse quesito que leva vantagem Vigaristas, segundo longa do diretor Rian Johnson que fez ligeiro sucesso entre os adeptos de cinema alternativo com o drama A Ponta de um Crime lançado no Festival de Sundance de 2005. Nesta sua nova empreitada, o cineasta quis investir em uma comédia, mas com traços pouco convencionais mantendo o estilo de produção independente, apesar do elenco de peso que conseguiu atrair. Roteirizada pelo próprio Johnson, a trama começa nos apresentando a infância de dois irmãos órfãos que cresceram pulando de lar em lar adotivo e foram se aperfeiçoando na arte da malandragem a ponto de transformá-la em profissão. Obviamente a repulsa dos pais adotivos era por conta dos desfalques dentro de casa, mas isso não mudou o caráter da dupla. Assumidamente trapaceiros, quando adultos aplicam golpes em ricos ingênuos ou deslumbrados, não importa onde a vítima resida, afinal as recompensas justificam todos os esforços. Stephen (Mark Ruffalo) é quem teve a iniciativa e elabora os planos minuciosamente para que tudo saia perfeito como em um roteiro de livro ou filme, com direito a esboços visuais, dessa forma ele sempre tenta fazer a vida do irmão mais novo Bloom (Adrien Brody) mais interessante do que realmente é oferecendo-lhe bons personagens para enganar os trouxas. O caçula aproveitou quando criança a inteligência e a criatividade do irmão para enganar os coleguinhas da escola que perdiam muito dinheiro com lendas de tesouro, mas ainda pequeno já se questionava sobre como poderia viver uma vida realmente sua, porém, a tentação de aplicar um novo golpe era mais forte que o desejo de se libertar.

Os anos passaram e finalmente chegou o momento de Bloom desfazer a parceria “profissional” com o irmão, mas Stephen implora para que executem um último golpe. O mentor bola uma história para que seu pupilo se aproxime de Penelope (Rachel Weisz), uma excêntrica e jovem herdeira de milhões que não tem com o que ocupar seu tempo e muito menos com o que gastar seu dinheiro de forma saudável. O que seria o derradeiro trabalho da dupla, no entanto, se transforma literalmente em uma louca viagem quando a vítima revela saber que a aproximação trata-se de um golpe. A milionária se assume como uma colecionadora de hobbies, ou seja, o que lhe agrada ver alguém fazendo ela corre atrás para aprender também. Do clássico piano à discotecagem, passando por aulas de tênis de mesa e de artes marciais, inesperadamente ela se encanta pela atividade dos irmãos e resolve também se tornar uma golpista. A situação piora pelo fato de que Bloom se identificou com Penelope. Guardadas as diferenças financeiras e culturais, ambos são entediados com a vida que levam como se fossem bonecos manipuláveis. Cínico, Stephen tenta defender seus interesses e coloca caraminholas na cabeça do irmão aproveitando-se que mesmo após um breve momento de lucidez do rapaz ele ainda o enxerga como uma referência. A partir de então uma série de situações vão sendo desenvolvidas na base da ironia, mas nem pense em cenas escatológicas ou de comédia pastelão. O humor usado aqui é mais inteligente e maduro, o que explica o fraco desempenho nas bilheterias americanas e o consequente lançamento tímido em outros países, mas certamente qualidades que ajudaram Johnson a reunir um elenco de fama e talento, que ainda inclui a atriz Rinko Kikuchi como a enigmática Bang Bang, trapaceira especialista em explosivos e truques cinematográficos que também atua com os irmãos. É uma pena que tal qual em Babel, filme que a revelou, mais uma vez ela surge sem expor sua voz, ou melhor, fala pouquíssimo. Sua presença traz beleza à película devido a seus figurinos interessantes que dão um toque oriental e todo especial ao visual, mas não deixa também de parecer que o diretor quis se cercar de astros renomados somente para criar marketing em torno do produto. Curiosamente, o nome de Maximilian Schell nem foi usado na publicidade. Em um de seus últimos trabalhos, o veterano vive Diamond Dog, que só pelo fato de usar tapa-olho já evidência que não é flor que se cheire. Ao que tudo indica, ele foi um dos tutores dos protagonistas, lhes ensinou a arte do trambique e agora volta querendo alguma recompensa.

O enredo realmente tem uma premissa das mais interessantes, mas o problema é que se estende além do necessário. Depois que Penelope resolve entrar para a quadrilha e ajudar a aplicar golpes fingindo serem colecionadores de obras de arte e cultura (a desculpa criada por Stephen para aproximar Bloom da moça), o espectador perde consideravelmente a atenção nas ações, pois a sucessão de golpes chega a cansar. Dessa forma, o argumento romântico da trama fica um pouco enfraquecido. Afinal, quem vai ficar com Bloom? A mocinha que pretende lhe oferecer uma vida e um amor reais ou o “vilão” que continuará a escrever a história do irmão sem a promessa de que um dia ele poderá se apaixonar? Bem, a química existente entre Weisz e Brody denuncia o final feliz, mas Johnson ao menos descarta os clichês nos momentos de humor e dedica atenção às relações conflituosas estabelecidas entre os personagens. Tanto no texto quanto no visual e questões técnicas é importante ressaltar que o cineasta oferece um caldeirão de referências cinematográficas, mais um ponto para elevar a obra a um patamar mais confortável de avaliação. Não estamos diante de uma narrativa convencional definitivamente, a começar pelo fato da trama não ser contextualizada em um período histórico específico. Vestimentas e cenários parecem enquadrar a obra entre os anos 40 e 50, mas quando nos atentamos a detalhes de locações fora de estúdios (cenas filmadas em diversos países para evidenciar a falta de limites dos trambiqueiros) parece que estamos conferindo uma obra contemporânea devido a paredes grafitadas e carros com visual moderno. Com cortes rápidos, a montagem também é de fundamental importância remetendo ao trabalho de Guy Ritchie, de Snatch – Porcos e Diamantes, e em alguns momentos até lembrando o estilo de Jean-Pierre Jeunet em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, principalmente nas cenas cujo foco são as emoções de Penelope que assim como a protagonista do longa francês teve uma vida solitária e foi superprotegida pelos pais devido a um bizarro pavor. E não se pode esquecer referências as obras de Wes Anderson, de Viagem a Darjeeling, o padrinho dos esquisitos. Com situações dramáticas que soam engraçadas e personagens estereotipados e problemáticos, não seria exagero dizer que Johnson pode ser um dos profissionais a perpetuar a arte de bisbilhotar e criticar a vida dos excêntricos.  Vigaristas é assim, uma obra que transpira criatividade, ousadia e bom humor, contudo, não chega a ser perfeita. Como já dito, problemas no ritmo e a longa duração comprometem, mas de qualquer forma não tira o mérito de um projeto experimental bem-vindo. Valeu a intenção. Agora é só aperfeiçoar a técnica em futuros trabalhos, sejam assinados por Johnson ou por outros aventureiros.

Comédia - 114 min - 2008 

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Um comentário:

Marcelo Keiser disse...

Assisti esse filme por acaso, sem conhecimento do que se tratava. Gostei muito! Como sempre... excelente texto!

abraço