NOTA 7,0 Comédia tem estilo inovador misturando referências a vários gêneros, mas resume-se a uma tentativa de fazer algo diferente |
Filmes a
respeito de golpistas é o que não falta. Desde os saqueadores dos faroestes,
passando pelos ladrões de banco e obras de arte até chegarmos a pirataria
virtual, o cinema esgotou a temática e não se pode culpar Hollywood. O mundo
todo usou e abusou dos clichês para contar histórias que no fundo nada mais são
que o eterno duelo do Bem contra o Mal ou que falam descaradamente de pessoas
que querem se dar bem na vida doa a quem doer. O problema é que a maioria
dessas produções se preocupa tanto na elaboração dos planos de roubos para que
não fique uma só pontinha solta (o que é muito difícil) que se esquecem de
desenvolver as personagens e é nesse quesito que leva vantagem Vigaristas,
segundo longa do diretor Rian Johnson que fez ligeiro sucesso entre os adeptos
de cinema alternativo com o drama A Ponta
de um Crime lançado no Festival de Sundance de 2005. Nesta sua nova
empreitada, o cineasta quis investir em uma comédia, mas com traços pouco
convencionais mantendo o estilo de produção independente, apesar do elenco de
peso que conseguiu atrair. Roteirizada pelo próprio Johnson, a trama começa nos
apresentando a infância de dois irmãos órfãos que cresceram pulando de lar em
lar adotivo e foram se aperfeiçoando na arte da malandragem a ponto de
transformá-la em profissão. Obviamente a repulsa dos pais adotivos era por
conta dos desfalques dentro de casa, mas isso não mudou o caráter da dupla.
Assumidamente trapaceiros, quando adultos aplicam golpes em ricos ingênuos ou
deslumbrados, não importa onde a vítima resida, afinal as recompensas
justificam todos os esforços. Stephen (Mark Ruffalo) é quem teve a iniciativa e
elabora os planos minuciosamente para que tudo saia perfeito como em um roteiro
de livro ou filme, com direito a esboços visuais, dessa forma ele sempre tenta
fazer a vida do irmão mais novo Bloom (Adrien Brody) mais interessante do que
realmente é oferecendo-lhe bons personagens para enganar os trouxas. O caçula
aproveitou quando criança a inteligência e a criatividade do irmão para enganar
os coleguinhas da escola que perdiam muito dinheiro com lendas de tesouro, mas
ainda pequeno já se questionava sobre como poderia viver uma vida realmente
sua, porém, a tentação de aplicar um novo golpe era mais forte que o desejo de
se libertar.
Os anos
passaram e finalmente chegou o momento de Bloom desfazer a parceria
“profissional” com o irmão, mas Stephen implora para que executem um último
golpe. O mentor bola uma história para que seu pupilo se aproxime de Penelope
(Rachel Weisz), uma excêntrica e jovem herdeira de milhões que não tem com o
que ocupar seu tempo e muito menos com o que gastar seu dinheiro de forma
saudável. O que seria o derradeiro trabalho da dupla, no entanto, se transforma
literalmente em uma louca viagem quando a vítima revela saber que a aproximação
trata-se de um golpe. A milionária se assume como uma colecionadora de hobbies,
ou seja, o que lhe agrada ver alguém fazendo ela corre atrás para aprender
também. Do clássico piano à discotecagem, passando por aulas de tênis de mesa e
de artes marciais, inesperadamente ela se encanta pela atividade dos irmãos e
resolve também se tornar uma golpista. A situação piora pelo fato de que Bloom
se identificou com Penelope. Guardadas as diferenças financeiras e culturais,
ambos são entediados com a vida que levam como se fossem bonecos manipuláveis.
Cínico, Stephen tenta defender seus interesses e coloca caraminholas na cabeça
do irmão aproveitando-se que mesmo após um breve momento de lucidez do rapaz
ele ainda o enxerga como uma referência. A partir de então uma série de
situações vão sendo desenvolvidas na base da ironia, mas nem pense em cenas
escatológicas ou de comédia pastelão. O humor usado aqui é mais inteligente e
maduro, o que explica o fraco desempenho nas bilheterias americanas e o
consequente lançamento tímido em outros países, mas certamente qualidades que
ajudaram Johnson a reunir um elenco de fama e talento, que ainda inclui a atriz
Rinko Kikuchi como a enigmática Bang Bang, trapaceira especialista em
explosivos e truques cinematográficos que também atua com os irmãos. É uma pena
que tal qual em Babel, filme que a
revelou, mais uma vez ela surge sem expor sua voz, ou melhor, fala pouquíssimo.
Sua presença traz beleza à película devido a seus figurinos interessantes que
dão um toque oriental e todo especial ao visual, mas não deixa também de
parecer que o diretor quis se cercar de astros renomados somente para criar
marketing em torno do produto. Curiosamente, o nome de Maximilian Schell nem
foi usado na publicidade. Em um de seus últimos trabalhos, o veterano vive
Diamond Dog, que só pelo fato de usar tapa-olho já evidência que não é flor que
se cheire. Ao que tudo indica, ele foi um dos tutores dos protagonistas, lhes
ensinou a arte do trambique e agora volta querendo alguma recompensa.
O enredo
realmente tem uma premissa das mais interessantes, mas o problema é que se
estende além do necessário. Depois que Penelope resolve entrar para a quadrilha
e ajudar a aplicar golpes fingindo serem colecionadores de obras de arte e
cultura (a desculpa criada por Stephen para aproximar Bloom da moça), o
espectador perde consideravelmente a atenção nas ações, pois a sucessão de
golpes chega a cansar. Dessa forma, o argumento romântico da trama fica um
pouco enfraquecido. Afinal, quem vai ficar com Bloom? A mocinha que pretende
lhe oferecer uma vida e um amor reais ou o “vilão” que continuará a escrever a
história do irmão sem a promessa de que um dia ele poderá se apaixonar? Bem, a
química existente entre Weisz e Brody denuncia o final feliz, mas Johnson ao menos
descarta os clichês nos momentos de humor e dedica atenção às relações
conflituosas estabelecidas entre os personagens. Tanto no texto quanto no
visual e questões técnicas é importante ressaltar que o cineasta oferece um
caldeirão de referências cinematográficas, mais um ponto para elevar a obra a
um patamar mais confortável de avaliação. Não estamos diante de uma narrativa
convencional definitivamente, a começar pelo fato da trama não ser
contextualizada em um período histórico específico. Vestimentas e cenários
parecem enquadrar a obra entre os anos 40 e 50, mas quando nos atentamos a
detalhes de locações fora de estúdios (cenas filmadas em diversos países para
evidenciar a falta de limites dos trambiqueiros) parece que estamos conferindo
uma obra contemporânea devido a paredes grafitadas e carros com visual moderno.
Com cortes rápidos, a montagem também é de fundamental importância remetendo ao
trabalho de Guy Ritchie, de Snatch –
Porcos e Diamantes, e em alguns momentos até lembrando o estilo de Jean-Pierre
Jeunet em O Fabuloso Destino de Amélie
Poulain, principalmente nas cenas cujo foco são as emoções de Penelope que
assim como a protagonista do longa francês teve uma vida solitária e foi
superprotegida pelos pais devido a um bizarro pavor. E não se pode esquecer
referências as obras de Wes Anderson, de Viagem
a Darjeeling, o padrinho dos esquisitos. Com situações dramáticas que soam
engraçadas e personagens estereotipados e problemáticos, não seria exagero
dizer que Johnson pode ser um dos profissionais a perpetuar a arte de
bisbilhotar e criticar a vida dos excêntricos.
Vigaristas é assim, uma obra que transpira criatividade,
ousadia e bom humor, contudo, não chega a ser perfeita. Como já dito, problemas
no ritmo e a longa duração comprometem, mas de qualquer forma não tira o mérito
de um projeto experimental bem-vindo. Valeu a intenção. Agora é só aperfeiçoar
a técnica em futuros trabalhos, sejam assinados por Johnson ou por outros
aventureiros.
Comédia - 114 min - 2008
Um comentário:
Assisti esse filme por acaso, sem conhecimento do que se tratava. Gostei muito! Como sempre... excelente texto!
abraço
Postar um comentário