segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

AMOR E OUTRAS DROGAS


Nota 3 Romance, drama, denúncia e humor apelativo se misturam em enredo que não cativa


Realizar uma comédia romântica não exige muitos esforços já que seu público-alvo quer sempre a mesma coisa: o casal protagonista unido no final. O caminho até esse final feliz, no entanto, pode ser complicado. Recorrer aos clichês de sempre é inevitável, mas também tentar fugir deles pode ser uma armadilha. Tentando servir o produto tradicional com embalagem diferenciada, Amor e Outras Drogas se perde em uma narrativa que busca contar uma história de amor e paralelamente tecer críticas à bilionária indústria farmacêutica. Com inspirações no livro "Hard Sell: The Evoluttion of a Viagra Salesman", escrito por Jamie Reidy, um ex-propagandista de laboratório que resolveu escrever sobre suas experiências profissionais, a trama começa a se desenrolar a partir de meados de 1996 quando o mulherengo Jamie Randall (Jake Gyllenhaal) larga a faculdade de medicina para lucrar com sua lábia e poder de sedução em uma loja de produtos eletrônicos. Contudo, logo ele é despedido por conta de uma denúncia de assédio (mal sabiam os patrões o que ele já havia aprontado) e acaba se interessando pela carreira de representante de laboratório farmacêutico, afinal ela prometia grana alta sem precisar muito esforço. Um ano depois ele estava se formando na turma de trainees da empresa Pfizer, uma das mais respeitáveis do ramo, mas a rotina de trabalho não é moleza como esperava. 

Paparicar médicos que não querem saber de conversa, oferecer brindes em troca de cinco minutos de atenção e aguentar o mau humor dos pacientes nas salas de espera são alguns dos perrengues diários vividos por Randall, mas é claro que com sua cara-de-pau ele tenta sempre cantar as secretárias e enfermeiras para elas o ajudarem a se aproximar de seus clientes. Em uma dessas maratonas acaba conhecendo Maggie Murdock (Anne Hathaway), uma jovem que já sofre do mal de Parkinson e tem mania de doenças. Em comum eles defendem a liberdade sexual e a falta de pudor, mas em um primeiro momento se estranham, porém, nada que uma rapidinha não dê jeito. O problema é que essa pequena dose de sexo passa a ser quase que diária e vicia estes dois jovens que então perceberão que a relação não é um simples flerte, ainda que a ficha caia para cada um em tempos diferentes.  Por causa da doença, Maggie não quer se envolver a sério com ninguém, não sabe como será o seu futuro. Randall também prefere o sexo casual, porém, por causa do excesso de mulheres querendo uma vez com ele. Conforme o tempo passa, no entanto, surge um sentimento a mais nessa brincadeira, algo que os fazem sentir necessidade de estarem juntos não só na cama, mas como lidar com o receio dela e a promiscuidade dele, ainda que o rapaz seja o primeiro a dar o braço a torcer e reconhecer estar apaixonado?


O grande mérito da produção sem dúvida esta nas mãos dos protagonistas que já haviam feito par em O Segredo de Brokeback Mountain. Além de aparecerem muito a vontade em cenas de nudez, exploradas na medida certa, com bom gosto e dentro do contexto do casal descompromissado e moderninho, a química entre eles injeta naturalidade aos diálogos que em sua maioria giram em torno de questões sexuais. Não seria errado dizer que o casal é um retrato de sua geração, jovens que cada vez mais cedo aprenderam a ser independentes, o que acarreta também a ambição de vencerem com seu próprio trabalho, o desapego a relacionamentos e a descoberta da sexualidade prematuramente. Se a trama fosse basicamente esta o filme poderia ser um razoável exemplar do gênero, mas o romance tendo que dividir espaço com o humor apelativo, o drama e a denúncia a respeito dos laboratórios acaba gerando uma mistura bizarra que exige do espectador uma dose de antiácido para seguir adiante sem ter o estômago embrulhado. O gancho de Randall trabalhar no ramo farmacêutico, mais especificamente colocando sua cara para bater prometendo a cura através dos produtos que representa, daria margem a uma discussão séria sobre lucros, ética, o ciclo percorrido por um remédio do laboratório até chegar ao paciente, mas tudo isso é muito complexo para ser esmagado entre cenas tão díspares. 

Randall praticamente tem que encarnar um personagem na sua rotina de trabalho e a própria empresa o orienta a deixar a moral de lado. Não importa se o remédio é uma enganação ou pode ter efeitos colaterais, o foco é o dinheiro que vai entrar em caixa. Aí já entramos em outro departamento, um problema social e de educação. Infelizmente, muitos que falam mal de políticos pela desonestidade não percebem que no seu próprio dia-a-dia também praticam atos errôneos. Não que todo demonstrador de medicamentos seja de má índole, pelo contrário, mas pessoas com o perfil do protagonista são perfeitas para a vaga, talvez por isso Josh (Josh Gad), seu repugnante e caricato irmão, tenha o aconselhado à carreira. Em um diálogo descontraído entre eles fica claro que o pegador não tem escrúpulos, quer trabalhar com algo que não lhe exija muito estudo e visa lucro fácil mesmo que para tanto seja preciso enganar ou recorrer aos seus dotes sexuais. É claro que o filme não vai fundo nessas questões, o que renderia um bom trabalho, mas alguns detalhes no comportamento e nas falas de Randall já nos dizem muito e podemos imaginar até onde ele pode ir para alcançar seus objetivos. Com um perfil desses é difícil compreender como surgem críticas elogiosas a relação amorosa construída aqui. Como dito, o casal funciona na intimidade, mas ambos se apresentam como seres repulsivos à sociedade. 


Embora as coisas se tornem mais digestíveis quando compreendemos os estilos de vida dos protagonistas, é difícil se afeiçoar a eles, principalmente ao papel de Gyllenhaal que exagera desde sua primeira cena, todavia, há quem elogie a interpretação. Passado o baque de um relacionamento amoroso um tanto diferente do que estamos acostumados, a trama vai sofrendo outras transformações que incomodam, dão um ritmo irregular. O interesse vai por água abaixo quando entra em cena o Viagra, a famosa e ridicularizada pílula azul para ajudar homens com problemas de impotência. O remédio começa a se espalhar como drogas em baladas e até os jovens fazem uso indiscriminado, mas no final das contas acabam pagando um mico como Randall que precisou sair às pressas de uma orgia para ir ao médico resolver seu problema. Sim, uma cena do tipo está no filme e soa constrangedora, assim como todas as aparições de Gad que parece ter sido pinçado de uma comédia adolescente boboca. O resultado insatisfatório infelizmente tem de ser creditado ao diretor e roteirista Edward Zwick, mais conhecido por épicos e longas de ação como O Último Samurai e Diamante de Sangue. A mistura de gêneros e cenas destoantes faz parecer que Amor e Outras Drogas é uma colagem de fragmentos de roteiros alinhavados a qualquer custo, um mix de informações que pode levar o espectador a precisar de um calmante para chegar com saúde até o fim que, diga-se de passagem, demora quase duas intermináveis horas.

Comédia romântica - 122 min - 2007 

Leia também a crítica de:

Nenhum comentário: