segunda-feira, 22 de março de 2021

SINÉDOQUE, NOVA YORK


Nota 3 Longa criado por uma das mentes mais criativas de Hollywood soa confuso e fugaz

Você já ouviu falar em Quero Ser John Malkovich, Adaptação ou Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças? Nenhuma das alternativas anteriores? Bem, se você tiver curiosidade e for atrás de informações sobre esses títulos irá descobrir que eles foram muito badalados em premiações em suas respectivas épocas, inclusive no Oscar, e que possuem em comum o fato de serem dotados de narrativas originais provenientes da mente genial de Charlie Kaufman. Rapidamente ele se tornou um roteirista conceituado e certamente por seu histórico teria potencial para ter seu nome elevado a potência de grife cinematográfica tal qual Woody Allen ou Pedro Almodóvar. Faltava se arriscar atrás das câmeras para chegar a tal ponto e foi justamente em sua estreia como diretor que ele derrapou. Sinédoque, Nova York é uma produção que deve interessar mais aos cinéfilos com letra maiúscula não só por fazer parte da coleção Kaufman, mas também por ter como protagonista Phillip Seymour Hoffman que, mesmo com uma passagem relativamente curta no universo cinematográfico, acabou se tornando um ícone das produções alternativas e angariando uma legião de fãs. Ele dá vida à Caden Cortard, um diretor de teatro que está envolto aos preparativos de uma nova peça ao mesmo tempo em que está enfrentando problemas pessoais. Sua esposa, a artista plástica Alede Lack (Catherine Keener), resolveu deixá-lo e ir viver em Berlim levando consigo a única filha do casal, a pequena Olive (Sadie Goldstein).

Madeleine Gravis (Hope Davis), terapeuta do diretor, aparenta estar mais interessada em divulgar o livro que acabara de escrever do que em ajudá-lo. Cotard tem consciência de que está mal de saúde e sua vida totalmente sem rumo, mas descobre uma maneira de fazer uma autoterapia. Aproveitando-se da ajuda financeira e carta branca que recebe de um investidor para realizar uma peça da maneira que bem entendesse, ele reúne um grupo de atores em um armazém em Nova York para ensaiarem um texto onde poderia dar vazão à sua criatividade e paralelamente contar uma história com eventos e sentimentos que fizessem alusão à sua própria vida. Lançando mão do recurso da metáfora, se a vida do protagonista é insossa, sua peça idem e o filme por tabela também não estabelece vínculos sólidos com o espectador. Cotard é o típico cara problemático que costuma vivenciar situações dramáticas, mas que o estilo de cinema alternativo capta com ironia e Hoffman encarna com perfeição. Ele sente um grande mal estar com a vida em todos os aspectos, mas não sabe explicar o porquê. Poderia ser uma depressão que o impedisse de levantar com disposição da cama, mas seu quadro deve ser mais grave visto que tem demonstrado interesse pela seção de obituários do jornal e se atiça ao descobrir que uma nova epidemia está surgindo em um país distante. A saúde física também está comprometida. Suas fezes e urina estão com alterações de cor e como bom hipocondríaco que é está sempre batendo ponto em consultórios médicos e como diz o ditado quem procura acha.

A terapia pouco ajuda Cotard, principalmente depois que resolve levar Adele para uma das sessões buscando restaurar a harmonia perdida do casal. A mulher simplesmente confessa que às vezes fantasia com a morte do companheiro, o que para ela seria benéfico já que não teria que carregar a culpa de abandoná-lo. A verdade dói, mas talvez tais palavras não o tenham ferido tanto quanto o fato da esposa simplesmente ignorar seu trabalho no teatro. Apesar de o protagonista estar imerso em um universo pessimista, é interessante que a narrativa sempre coloca um contraponto irônico como, por exemplo, quando ele descobre ter sicose, uma doença de pele, mas como o personagem explica à sua inocente filha para virar psicose basta adicionar uma letra na frente desta palavra, o suficiente para ele achar que estar à beira da morte. Tanto na peça quanto no filme os personagens perdem o senso da realidade a partir do momento em que passam a acreditar na felicidade de suas existências. Quando Cotard aluga o galpão para ensaiar aquela que seria sua grande obra, o local acaba se tornando um simulacro doentio de sua própria existência que jamais lhe trará lucros ou fama. Mesmo assim, ele pretende refazer seu mundo no palco nos mínimos detalhes para poder observar a si mesmo e tentar compreender suas relações com aqueles que o cercam.

Sammy Barnathan (Tom Noonan), um ator não profissional, é escalado para ser o alter-ego do autor por conhecê-lo razoavelmente bem e, apesar de ainda deixar latente que sonha com a volta da esposa, a peça ganhará dois personagens femininos importantes com quem Cotard flerta: Claire (Michelle Williams), que se destacou na última peça do autor, viverá ela mesma na nova encenação, enquanto Hazel (Samantha Morton), a bilheteira de um teatro, será interpretada por Tammy (Emily Watson). À medida que Cotard avança no roteiro da peça, ao mesmo tempo ele retrocede ou fica preso ao presente, tudo depende de como os acontecimentos de sua vida pessoal são desenvolvidos, assim ele é obrigado a demitir, trocar ou até mesmo cancelar a participação de alguns atores, mas a essa altura já tem até intérprete envolvido além do necessário com o personagem da vida real que inspirou o seu. Chega um momento que o próprio autor da peça vira personagem de sua obra, ironicamente como coadjuvante. Confuso, não? Bem, dificilmente alguém procuraria assistir esta produção se não fosse pelo interesse na filmografia de Kaufman que então assinando apenas seu sexto roteiro já ostentava o rótulo de sinônimo de originalidade. Quem curtiu seus trabalhos anteriores já sabe que não se deve exigir lógicas de suas histórias, muito menos compromisso com noções de tempo e espaço. Sua praia é o surreal e o bizarro, mesmo no fundo querendo abordar temas universais como amor, solidão, memórias, guerras, fobias, enfim, falar sobre a vida.

O microcosmo construído no galpão teatral reflete a grandiosidade de Nova York ou como o protagonista se sente nesta metrópole. Autocentrado em suas próprias neuroses, na realidade seu grande problema é um ego gigantesco que busca extravasar brincando de Deus em sua peça. Para todos os atores ele entrega pequenos bilhetes que revelam detalhes de experiências pessoais e a respeito de sua personalidade para direcionar o elenco, mas seu perfeccionismo passa dos limites e os ensaios se prolongam sem previsão de término. É possível acompanhar seu mal estar com a vida e sua degradação psicológica e emocional, o que acaba inerentemente fazendo com que ele brilhe mais que o restante do elenco, até porque é uma narrativa-mosaico na qual todos os caminhos convergem em função das vontades de seu personagem. Compreender o enredo de Sinédoque, Nova York teoricamente não é complicado, é mais uma história de alguém querendo fugir de problemas criando um mundo paralelo para refugiar-se, mas Kaufman se perde na exploração do recurso da metalinguagem, exagera na liberdade de expressão e acaba fazendo um emaranhado de boas ideias que não funcionam por um simples motivo. Assim como o protagonista se fechou em um galpão criativo, o festejado roteirista também acabou embriagado pelo universo que criou e se esqueceu de adicionar ou cortar elementos que permitissem o envolvimento do público que com muita boa vontade pode elogiar a obra como um exercício cinematográfico, já como entretenimento... 


Drama - 124 min - 2008 

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