sábado, 21 de agosto de 2021

FILHA DAS SOMBRAS


Nota 2 Premissa poderia render drama razoável, mas opção pelo suspense é frustrante e requentada


É comum que alguns filmes busquem público destacando que é do mesmo diretor ou criador de algum sucesso, mas o material publicitário do suspense Filha das Sombras apela destacando ser uma obra da mesma produtora de sucessos premiados como Gangues de Nova York, O Aviador, Os Infiltrados e Diamante de Sangue. Como na ficha técnica existem vários nomes de produtores associados, não fica claro se o currículo invejável é de uma pessoa em específico ou de uma empresa, mas o fato é que o filme em questão é uma mancha em qualquer trajetória, inclusive para a protagonista Elizabeth Shue. Ela dá vida à Laura, uma bailarina que teve que se ausentar por um tempo dos palcos para cuidar de sua primeira gravidez, notícia festejada por seu marido Steven (Steven Mackintosh) que propõe que eles se mudem para um lugar mais tranquilo para ajudar na criação do bebê. A gestação é bastante tranquila, mas logo após dar a luz a uma linda garotinha a moça começa a sofrer de depressão pós-parto, um problema relativamente comum, porém, se não tratado pode trazer sérias consequências para mãe, a criança e a família como um todo. 

A temática merecia ser explorada pelo cinema com mais frequência, mas o diretor e roteirista Isaac Webb opta pelo caminho mais batido, ou melhor, cerca-se do maior número de clichês possíveis para contar uma história dramática sob a ótica do suspense. Ao longo da narrativa vários ganchos vão sendo expostos para confundir o espectador quanto aos rumos do enredo que, diga-se de passagem, acaba sendo diminuído diante da diversão que se torna tentar matar a charada de quais filmes o diretor copiou situações. Tem a gravidez super desejada que poderia gerar uma criança maléfica; o casarão que pode guardar algum mistério dos antigos moradores; uma boneca que até parece ter vida própria; a protagonista cisma que alguém deseja o seu mal; e, por fim, não falta nem mesmo uma babá um tanto prestativa, porém, digna de desconfianças. O problema é que o diretor não define se vai tratar o tema com seriedade, apostando no lado dramático da questão, ou se vai apenas usá-lo como desculpa para requentar chavões do horror. O que predomina é a segunda opção, o que não seria necessariamente um problema não fosse o fato dos inúmeros clichês serem simplesmente jogados na narrativa sem a mínima preocupação de criar algum vínculo coeso entre eles.


O tema complexo poderia ser desenvolvido em uma trama dramática com toques de suspense psicológico, mas Webb mostra total desconhecimento de como conduzir uma história do tipo. Embora desde o início fique claro que a protagonista está perturbada mentalmente, o excesso de pistas falsas não colabora em nada para enfatizar esta característica, pelo contrário, soam tão tolas que a grande pergunta que fica no ar é como o diretor iria fazer para justificá-las de forma decente. Simplesmente ele as abandona no meio do caminho e o espectador fica com aquela cara de bobo e frustrado. Já na reta final, se não bastasse o montante de iscas podres até então, o diretor ainda se lembra dos vários filmes que falam sobre morte momentânea durante uma cirurgia, assim Laura também se recorda que seu tão sonhado parto normal acabou se transformando em uma cesariana às pressas da qual ela só se lembra de ver uma ofuscante luz branca quando lhe aplicaram a anestesia. Então esse é o clichê-chave da narrativa? Também não. O grande vilão da trama é na verdade um fantasma bastante real: o próprio ser humano. 

Não é estragar surpresa alguma revelar o final. Quantas histórias você já não viu de mulheres que em meio aos excessos de cuidados com os filhos acabam se tornando paranoicas e suas próprias algozes? Laura é vítima de si mesma, em alguns raros momentos parece se dar conta disso, e seu conflito pessoal já era o bastante para render um bom filme, mas para deixar o projeto com uma cara mais comercial seu criador acabou apelando para um caminho desnecessário e, o pior de tudo, que não sabe trilhar. O estranho é que apesar do engodo que é todo este suspense, sendo a bancarrota o momento em que ela alucina que alguém está em sua casa e não se dá conta que está vendo sua própria imagem transitando pelos cômodos, o final é de certa forma incômodo no sentido de ser totalmente contundente com o que pode acontecer na vida real em casos de depressão pós-parto. A rejeição ao bebê pode se dar de diversas formas, inclusive o excesso de dedicação como cumprimento de um fardo, e a ausência de tratamento adequado pode levar a consequências drásticas. Abalada naturalmente pelo parto, com o marido quase sempre ausente e frustrada de não poder trabalhar, Laura é o típico caso que justifica o ditado "cabeça vazia, o diabo faz a festa"
.

A confusão mental e emocional pós-parto da mãe em relação ao bebê pode ser manifestada por superproteção, negligência ou a mistura de ambos comportamentos como no caso da protagonista. Se em alguns momentos exagera nos cuidados à filha, em outros Laura mostra-se completamente displicente, como quando esquece a criança por várias horas dentro do carro ao ir fazer compras ou ao ignorar o choro incessante da menina que deseja ser amamentada. Filha das Sombras renderia muito mais caso explorasse a dramaticidade de momentos como esses, obviamente com uma necessária mudança de título. O escolhido está de acordo com o que a rasa produção oferece. Um título genérico e sem força tal qual a narrativa que alimenta ainda mais as paranoias da mamãe de primeira viagem com crendices a respeito de maldições que a fazem acreditar que tudo e todos estão a serviço de entidades demoníacas dispostas a roubar a alma da criança. Sendo assim, para quem está a espera de um filho e é suscetível a ser impressionado melhor nem assistir, mesmo o conjunto sendo fraquíssimo em termos de sustos.

Suspense - 95 min - 2007 

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