quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O ARTISTA

NOTA 9,0

De origem francesa, preto e branco
e sem um único diálogo sequer, obra
que homenageia o cinema agrada por sua
ousadia e ao mesmo tempo simplicidade
É curioso, mas em plena época em que muitos cineastas, produtores e estúdios passaram a investir pesado em histórias mirabolantes ou tecnologias de ponta e efeitos 3D para atrair o público de volta às salas de cinema ou até mesmo para injetar algo a mais na campanha publicitária de produções deficientes, muita gente do meio cinematográfico se uniu ao coro de críticos do mundo todo para exaltar O Artista, uma surpreendente obra com tom nostálgico que teria tudo para ser pisoteada por onde passasse. Isso na base do preconceito é bom deixar claro. Só vendo para crer no que este trabalho significa, principalmente para os dias atuais em que a arte cinematográfica está tão debilitada e requentada. Filmado em preto e branco, de origem francesa e sem um único diálogo durante toda sua duração, parece até que estamos falando de um daqueles filmes clássicos que vez ou outra são restaurados para serem relançados em cinematecas e salas alternativas, mas o trabalho originalíssimo do cineasta Michel Hazanavicius conseguiu preencher até mesmo as salas multiplex dos shoppings centers. Claro que isso graças às dezenas de premiações que recebeu. De todos os festivais e eventos dos quais participou a obra saiu ao menos com um troféu de lembrança, tendo sua apoteótica consagração no Oscar 2012 que curiosamente não lhe reservou uma das vagas para Melhor Filme Estrangeiro, mas cedeu à obra nada menos que dez indicações das quais cinco transformaram-se em estatuetas douradas, incluindo Melhor Filme e Melhor Direção. Apesar de sua origem francesa, o longa é praticamente uma homenagem à Hollywood dos primórdios do cinema, entre as décadas de 1920 e 1930, um tempo em que uma imagem literalmente valia mais que mil palavras. Hazanavicius arquitetou seu trabalho com muito cuidado para fazer o espectador se sentir feliz ao final da projeção e sonhando com um mundo idílico, uma época que infelizmente não volta mais. Apesar do caráter onírico, o enredo enfoca fatos reais e muito importantes tanto para a História da sétima arte quanto para compreendermos a modernização do mundo.

O período histórico retratado foi de transformações e decepções para quem já atuava na frente ou atrás das câmeras. Com o advento do som, as películas começaram a exigir vozes que se encaixassem perfeitamente com os personagens, além de os atores necessitarem ter uma boa dicção. Sotaques só eram permitidos quando exigidos pelo diretor, assim estrangeiros também perderam espaço no cinema americano durante a transição. Quem até então se mantinha trabalhando apenas com seu talento para expressões corporais e faciais precisou correr atrás de aperfeiçoamento ou se conformar que não haveria mais lugar para eles. Assim, grandes astros do cinema mudo, como Rodolfo Valentino, foram sendo esquecidos, mas alguns sobreviveram ao baque da nova tecnologia e se adaptaram ao cinema falado, como Mary Pickford, ainda que a fama não tenha se mantido intacta algumas décadas depois. Já Lilian Gish foi um dos raros casos que surgiu na época do cinema mudo e que se manteve trabalhando até o final da década de 1980. Enquanto isso, Charles Chaplin cultivou sua fama de gênio por muito tempo, mas aposentou o personagem Carlitos em 1936 após uma derradeira tentativa de fazer filmes mudos e já com as cores despontando como a nova moda para pegar nas telonas. Algumas histórias verídicas envolvendo os artistas da época serviram para ajudar na construção do roteiro criado pelo próprio Hazanavicius que confessou publicamente que o grande desafio da produção foi desenvolver um argumento em cima das descrições de imagens e movimentos, sem um único diálogo. O enredo gira em torno do ator George Valentin (Jean Dujardin) e da dançarina Peppy Miller (Bérénice Bejo) que acabam se apaixonando, mas este amor está ameaçado. Com a introdução de efeitos sonoros, o astro do cinema mudo entra em franca decadência enquanto sua ambiciosa companheira deseja se aproveitar da nova tecnologia para alavancar sua carreira, o que certamente a afastaria dele. O grande conflito do protagonista, portanto, é lidar com a perda de duas coisas importantes da sua vida, já que ele não vê mais chances de trabalho e também não gostaria de viver sob a sombra de uma dama famosa e bem sucedida. Este conto de amor é inspirado no caso dos atores John Gilbert e Greta Garbo que realmente tiveram um romance que não sobreviveu à tecnologia. Segundo dizem, enquanto a estrela fez tranquilamente a transição para as películas sonoras, o ator tentou, mas chegou a ser humilhado publicamente devido a reclamações de Louis B. Mayer, o chefão da MGM, quanto a sua voz. É bom lembrar que este era o grande estúdio da época e ter um contrato com ele era garantia de sucesso e estabilidade financeira.

Embora tente resgatar a estética de antigamente, para quem é entendido da arte cinematográfica o longa conta com algumas inovações na edição e enquadramentos, pequenos detalhes que passam despercebidos pelo grande público, mas que não eram comuns às produções das primeiras décadas do século 20. Também pode gerar dúvidas como um filme mudo conseguiu colher tantos prêmios e elogios por sua trilha instrumental e efeitos sonoros. Hazanavicius caprichou nestes itens propositalmente, afinal um filme sem ruído algum hoje em dia é algo inimaginável. Naqueles tempos, durante a projeção, as fitas eram acompanhadas de trilha sonora ao vivo e os aplausos e reações das plateias ajudavam a agitar as sessões. O cineasta quis reproduzir isso para fazer o espectador realmente se sentir em uma sessão das antigas, assim os figurinos e cenários também ajudam o espectador a compreender a história tal qual a edição, item essencial neste tipo de produção para ajudar a narrar a história e até mesmo surpreender como ocorre na introdução. Assistimos a uma cena na qual um personagem está sendo torturado, mas ele se recusa a falar irremediavelmente (frases estampadas na tela ajudam a entender o frame), e logo depois percebemos a inserção da metalinguagem. A passagem faz parte de um filme dentro do filme cujas emoções são acompanhadas com atenção pelo público que ocupa as cadeiras de uma sala de exibição conforme a câmera faz questão de registrar como se quisesse resgatar o fascínio que a sétima arte outrora exercia, muito antes das atenções serem divididas com pipocas, refrigerantes ou celulares. Sincero e com atuações proposital e deliciosamente exageradas da dupla Dujardin e Bérénice, O Artista tem lá seus problemas como a falta de ritmo em alguns momentos e a limpidez da imagem que impede o espectador mais atento a se envolver totalmente com o clima nostálgico da obra, mas sem dúvidas trata-se de um marco cinematográfico por sua ousadia ou criatividade, os dois adjetivos são válidos, e automaticamente um candidato a clássico moderno. Esta é uma oportunidade ímpar de novas gerações usufruírem um pouco de uma época magnífica e os mais vividos poderem fazer uma gostosa viagem ao passado, recordar fatos e se divertirem lembrando-se da própria vida e de grandes filmes que ajudaram a escrever a História do cinema.

Vencedor do Oscar de filme, direção ator (Jean Dujardin), trilha sonora e figurino

Drama - 100 min - 2011 

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