segunda-feira, 14 de setembro de 2020

O GAROTO DA CASA AO LADO


Nota 4,0 Cheio de clichês e situações desconexas, esforço dos protagonistas segura as pontas


Sandra Bullock e Julia Roberts são atrizes que ficaram marcadas por suas atuações em comédias românticas, mas servem como exemplo de que com dedicação e um bom empresário é possível transitar pelos mais variados gêneros e ainda ganhar prêmios. Já Jennifer Lopez ainda não teve a sorte de encontrar alguém que cuide bem de sua carreira ou se contenta em fazer sempre mais do mesmo. Bem, não vamos ser cruéis com a moça. Ela até tenta sair de sua zona de conforto de vez em quando, porém, seus filmes sérios nunca fazem o mesmo sucesso de suas historinhas água-com-açúcar e ultimamente nem nesse campo tem conseguido bons frutos. Todavia, seu nome é influente e ainda serve como chamariz, embora para o suspense O Garoto da Casa ao Lado não tenha surtido efeito. Virou aquele filme que você sabe que foi exibido no cinema, saiu alguma notinha no jornal, mas que sua passagem não marcou. No entanto, não é uma produção de todo ruim, pelo contrário, prende a atenção boa parte do tempo, mas como a maioria dos thrillers hollywoodianos derrapa na reta final. A estrela de traços latinos e curvas salientes dá vida à Claire Peterson, uma professora de literatura e mãe de Kevin (Ian Nelson), um adolescente revoltadinho e saco de pancadas dos colegas. Seu casamento está por um triz por não aguentar as traições do marido Garret (John Corbett) e fragilizada acaba caindo na lábia de seu mais novo vizinho, Noah (Ryan Guzman), um rapaz beirando os vinte anos que vai morar e cuidar de um tio idoso após perder seus pais em um acidente de carro. Bonitão e com corpo sarado, obviamente as características físicas dele chamam a atenção da jovem senhora, mas é através de seu carisma, cumplicidade e amizade com Kevin que ele consegue se aproximar da vizinha a ponto de seduzi-la. 

Entre prestação de favores e elogios rasgados, a tensão sexual entre eles aos poucos vai aumentando até que o garotão consegue levar a vizinha para cama e viver uma noite tórrida de sexo. Todavia, na manhã seguinte, Claire se arrepende e reconsidera retomar a relação com Garret e avalia que sua atração por Noah é apenas física, não rola sentimentos além do puro e simples tesão. Matada a curiosidade de ver o que o moreno esconde embaixo das roupas, embora ficar sem camisa ou exibir seus bíceps eram algumas de suas estratégias para conquista-la, ela decide procura-lo e admitir seu erro, mas se surpreende com a reação do rapaz. Já diz o ditado, quando a esmola é demais o santo desconfia. O pacato, amigável e prestativo Noah muda da água para o vinho. Diante da rejeição, imediatamente revela-se agressivo, possessivo e vingativo. O garanhão passa a perseguir e ameaçar Claire de todas as maneiras possíveis, desde vigiar sua residência, passando pelo constrangimento de espalhar fotos íntimas da noitada na escola em que ela trabalha até colocar Kevin contra o pai e consequentemente contra a mãe quando percebe que o casal poderia estar reatando. O argumento já denuncia a previsibilidade da fita. 


Quantos filmes você já não assistiu sobre mulheres que se deixam seduzir por homens aparentemente perfeitos, mas que na verdade vão fazê-las comer o pão que o diabo amassou? O vice-versa também ocorre, com menos frequência, mas há alguns títulos que exploram bobalhões que perdem dinheiro, família e até a sanidade por causa de belos pares de pernas e peitos. A própria Lopez já atuou em uma produção com ponto de partida parecido, o suspense Nunca Mais, no qual para fugir de um marido violento e proteger a filha sua personagem estaria disposta a tudo, até virar uma lutadora semiprofissional em tempo recorde. No embate com Guzman, a atriz está mais contida e presa ao papel de vítima. Os anos passaram e isso já se reflete em suas interpretações, mas a culpa não é só dela. Uma série de problemas comprometem o longa. Com experiência na área de advocacia e como procuradora na área criminal, a roteirista estreante Barbara Curry certamente poderia oferecer um texto mais substancioso, provocativo e realista, mas o acúmulo de clichês revela que certamente em suas horas de folga ocupava seu tempo com filmes sobre crimes e afins, principalmente os mais toscos, aqueles thrillers com toques de erotismo que infestavam as prateleiras de locadoras. Todavia, apesar de ser uma colcha de retalhos, a trama flui bem com alguns momentos de tensão, só derrapando feio mesmo no ato final com violência e adrenalina excessivas que destoam do conjunto. 

Também não é muito coerente a escalação de Guzman para viver um personagem cerca de uma década mais jovem, mas neste caso também houve um erro de criação de perfil. Queriam alguém jovem, belo e musculoso, mas a julgar pela idade parece que Noah está na maromba desde a infância e seu rosto viril já não engana como adolescente. Quando vira o vilão da história aí sim fica mais fácil entrar na onda. Esquecemos o jovem bondoso e passamos a acreditar no homem feito com distúrbio de caráter, quiçá psicológicos. Já Lopez consegue construir uma personagem que causa empatia com o espectador desde o início, vivendo conflitos de fácil identificação, ainda que seu corpinho esculpido na academia não faça jus ao sofrimento que tenta vender, contudo, ela tinha que está em forma para os propósitos do diretor Rob Cohen. Experiente no campo de ação, tendo dirigido sucessos como Velozes e Furiosos e Triplo X, teoricamente filmes destinados ao público masculino, não é de se estranhar que neste suspense a cena mais bem elaborada seja a transa dos protagonistas. Utilizando inteligentemente iluminação, fotografia e a edição, o cineasta consegue realizar uma sequência provocativa sem ser totalmente explícito, embora em um outro momento em que Claire flagra de sua janela Noah com uma jovem para lhe provocar a sutileza seja mandada às favas. 


Suspenses exigem certa cautela por parte da direção para a construção de clima adequado, mas Cohen tem a mão pesada. O envolvimento entre a professora e o vizinho é desenvolvido em tempo recorde. O rapaz já chega querendo ocupar o papel não só de companheiro atencioso e amante potencial, mas também de certa forma ser o pai amigável e defensor que Kevin desejava. O que leva um jovem a nutrir esse amor doentio repentinamente, ainda mais carregando a tiracolo um possível enteado com idade para ser seu irmão mais novo? Ele realmente tinha afeição pelo garoto ou só o defendia e aconselhava para ter Claire ao seu lado? Não há aprofundamentos psicológicos e tudo está a favor das ações dos personagens. O acesso as residências alheias é de uma facilidade absurda, as câmeras ocultas de Noah estão estrategicamente posicionadas a ponto de gerar imagens com qualidade profissional e ele e seu objeto de desejo podem praticar o voyeurismo a vontade já que as janelas de seus quartos se encontram frente a frente. Falando em manipulação, não é preciso esmiuçar a estereotipação dos personagens, são óbvias, mas pelo menos o roteiro evita transformar Vicky (Kristin Chenoweth), a melhor amiga de Claire e sua superior no trabalho, em um forçado alívio cômico. Apesar de muitos momentos nada a ver ou com explicações rasteiras, como o fato de o algoz conseguir virar aluno de sua vítima sem passar pelos trâmites burocráticos ou um acidente de carro ridículo que em nada acrescenta a trama, O Garoto da Casa ao Lado cumpre sua função de entreter, mas já nasceu com destino certo. É o típico filme para rechear madrugadas de insones e que será repetido à exaustão nos canais fechados.

Suspense - 91 min - 2014

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Um comentário:

Marcelo Keiser disse...

Assisti a esse filme com esforço. Não só esperava mais dele, como esperava ver uma trama mais envolvente que se mostrasse pelo menos satisfatória. Ótima resenha!

abraço