quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

QUANDO AS LUZES SE APAGAM


Nota 6 Explorando satisfatoriamente a escuridão, longa peca ao expor seus segredos rapidamente


Já tivemos os tempos áureos das fitas de seriais killers, a época em que monstros clássicos da literatura tomaram de assalto a sétima arte, a onda das refilmagens de terror orientais e também o leve sopro de originalidade vindo das produções de horror e suspense assinadas por diretores e roteiristas espanhóis que mesmo quando são importados para Hollywood costumam deixar marcas próprias em suas obras. E não podemos deixar de mencionar também sobre a febre da edição de imagens de fitas amadoras supostamente reais, vertente que não tardou a enjoar tamanha repetição do recurso, mas logo os produtores já tinham uma nova brilhante ideia para tirar da cartola, ou melhor, neste caso da internet. Com a fácil e superexposição, muitos cineastas amadores ou profissionais em início de carreira fizeram da rede mundial de computadores sua vitrine. Bastaram apenas três curiosos e intensos minutos de um curta-metragem assinado por David F. Sandberg para James Wan, diretor de Invocação do Mal, decidir bancar a extensão do projeto. Assim nasceu Quando as Luzes se Apagam, uma obra compacta e com méritos próprios para receber alguns elogios. A premissa é das mais interessantes. Um ser sobrenatural está literalmente tirando o sono de uma família dia e noite, basta alguém se arriscar a ficar no escuro. No entanto, um pequeno feixe de luz é o suficiente para que a ameaça desapareça, ainda que temporariamente. A trama então explora uma fobia bastante comum, porém, por um viés ligeiramente original. 

Martin (Gabriel Bateman) está constantemente tendo problemas na escola por não dormir direito, tanto pela dor de ter perdido seu pai recentemente quanto pelas preocupações com sua mãe, Sophie (Maria Bello), uma mulher que já a algum tempo apresenta sinais de demência. Ela demonstra que mantém contato amistoso com Diana (Alicia Vela-Bailey), a tal estranha criatura soturna que também aparece para o menino, porém, para atormentá-lo. O porto-seguro do garoto se torna Rebecca (Teresa Palmer), sua irmã mais velha que também revela que enquanto morava com a mãe sofria os mesmos temores quanto às visões, além do abalo com a ausência do pai que na época pediu o divórcio. Portanto, o ciclo de infortúnios se repete. O bom é que este suspense não é gratuito ou pelo menos não é em vão totalmente. Calcado em um razoável drama psicológico, é possível considerar que Diana é de fato um fantasma na vida desta família, uma espécie de materialização dos assuntos mal resolvidos entre eles. Rebecca ficou traumatizada com os episódios que vivenciou em sua infância e que lhe trouxeram danos na maturidade, como o fato de preferir a solidão. Independente e morando sozinha, ela até tem um namorado, Bret (Alexander DiPersia), mas deixa claro que abomina qualquer tipo de relação íntima mais estreita, assim morar juntos nem pensar. O exemplo de seus pais enraizou uma imagem de que o casamento é uma bobagem que mais cedo ou mais tarde só traz sofrimento. Com seu irmão os laços afetivos também não são lá muito sólidos, mas a identificação com seus problemas ajuda a uni-los em prol de um bem maior. 


Como toda mocinha de produções do tipo, é óbvio que Rebecca vai bancar a detetive e rapidamente encontra as respostas que queria. Algumas fotos e anotações do passado de Sophie revelam o mistério, mas para deixar tudo bem explicadinho ao espectador o roteiro do próprio diretor em parceria com Eric Heisserer faz questão que os poucos personagens reiterem a história do espectro uns aos outros, uma forma também de espichar a trama. Nada mais natural para um produto originado de um breve curta-metragem desprovido até mesmo de diálogos. A ideia simplesmente girava em torno de uma mulher que ao apagar a luz do corredor antes de dormir se depara com um estranho vulto. Ao acionar o interruptor tal imagem some, mas reaparece quando ele é desligado. Detalhe, cada vez que o ambiente está no escuro a silhueta parece se locomover e chegar mais próximo a ela. É dessa premissa que surge o desafio do longa: criar um prólogo explicativo para tal ação e imaginar suas consequências, e é justamente a gênese do suposto fantasma que complica a fita. Seu histórico não soa muito coerente, assim como sua ligação com Sophie. No pacote das justificativas também está a morte de Paul (Billy Burke), o pai dos protagonistas que é violentamente assassinado, uma introdução para contextualizar sobre o modo de agir da entidade maligna, curiosamente uma sequência que renderia um ótimo curta independente. Pena que Sandberg não abra espaço para quem assiste investigar junto aos personagens e logo recorra a um didatismo quase infantil para explicar seu projeto, uma falha que prejudica o clímax.

O que garante alguns pontos extras é o cuidado ao apresentar a escuridão como uma ameaça. Tal fobia já foi a matéria-prima de muitos filmes, mas quase todos pecavam na relação texto versus imagem. Se o argumento diz que os espectros surgem em meio ao breou total, a escorregadela vem do fato de em várias oportunidades os personagens se esquecerem disso e procurarem abrigo justamente onde não há luz para protege-los. Quando as Luzes se Apagam felizmente nos poupa destes erros estapafúrdios e lida bem com o jogo de claridade e sua ausência. A premissa diz que Diana surge no escuro, assim teoricamente ela nunca desparece e pode estar à espreita em qualquer canto pronta para atacar. Um quarto pode estar iluminado, mas sempre há alguma zona obscura, como a parte debaixo da cama que pode servir como seu esconderijo. Um tiro de revólver pode produzir uma pequena faísca de luz e afastar o espectro, mas não é tão eficiente quanto a luz de velas ou até mesmo a bateria do celular, embora dependendo da posição Diana pode surpreender com um ataque. O interessante é que mesmo com todas as precauções a casa de Sophie não é um ambiente seguro e de onde menos se espera o mal pode surgir. É um labirinto sem saída e a entidade se faz onipresente. Apesar do cuidado com o jogo de luzes que evita que o espectador fique de olho na tela totalmente negra só ouvindo diálogos ou gritos, mal de muitas fitas que querem brincar com a proposta, ainda assim o filme não consegue manter o clima de tensão necessário. 


Passado o impacto inicial, o leque de truques de Sandberg mostra-se escasso. Com elenco enxuto, não há banho de sangue, tampouco empilhamento de vítimas, e os sustos que deveriam garantir a diversão perdem força devido as revelações prematuras do roteiro. Chega a ser irônico que para uma entidade que vive no escuro seu passado, motivações e fraquezas sejam clareadas em tempo recorde. Com isso o drama familiar também perde energia, mesmo com os esforços dos atores. Bello é especialista em interpretar mulheres problemáticas e sua personagem poderia deixar no ar a dúvida se os temores de seus filhos são frutos de sua doença mental ou se realmente há uma ameaça sobrenatural, mas o texto deixa claro que o mal existe e é dependente de Sophie. De qualquer forma, mesmo sem reviravoltas e tampouco cenas sangrentas, a obra de orçamento limitadíssimo tem como grande mérito lembrar que criatividade é o que move o cinema e mesmo no ato final quando os sustos se intensificam eles não soam repetitivos pela opção do diretor em explorar variados tipos de iluminação como única arma para se proteger de Diana. Bem, pelo menos a maneira paliativa já que a verdadeira solução revela-se um clichê hollywoodiano.

Terror - 81 min - 2016

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