sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

CAMINHOS DA FLORESTA

NOTA 8,0

Junção de contos de fadas tem
seus furos e equívocos narrativos, mas
carisma e talento do elenco e recursos
técnicos apurados garantem a qualidade
Espetáculos de sucesso da Broadway mais cedo ou mais tarde terão sua versão cinematográfica, isso é fato. Desde os tempos áureos dos musicais no estilo My Fair Lady, passando pelo premiado Cabaret e culminando em fracassos como Rent – Os Boêmios, projetos que migram dos palcos para as telonas sem dúvida são apostas arriscadas. Teatro e cinema, embora compartilhem características, no fundo são artes distintas, cada qual com seus encantos e recursos para fisgar a atenção de quem assiste. O que pode dar certo ao vivo pode não funcionar na versão filmada e vice-versa. Contando com o aval popular e da crítica graças ao sucesso nos palcos de muitos países, além do chamariz de narrar uma história de fácil assimilação interligando personagens e contos clássicos do universo infantil, Caminhos da Floresta parecia uma aposta segura, mas sua realização complicada se reflete claramente no resultado final. “Into The Woods” foi lançado nos teatros americanos em 1986 com a proposta inovadora de misturar várias histórias dos lendários irmãos Grimm. A adaptação cinematográfica quase três décadas mais tarde já esbarraria na questão criatividade. A saga de Shrek levou ao ápice a fórmula de reinventar e mesclar os contos de fadas e outras produções seguiram a tendência como a própria Disney que em Encantada deitou e rolou tripudiando (ainda que com classe e respeito) em cima dos próprios estereótipos que fizeram a fama do estúdio. A casa do Mickey Mouse mais uma vez banca uma brincadeira com seu portfólio neste musical que não abandona as lições de moral, mas em muitos momentos transpira originalidade e vai muito além do felizes para sempre com uma guinada tensional da trama quando achamos que estamos no clímax. Não é a toa que muitos dizem que o filme poderia ter sido dirigido por Tim Burton devido ao casamento do lúdico com o sombrio. No entanto, a produção é responsabilidade de Rob Marshall, amante dos musicais, tendo acumulado prêmios com o divertido Chicago, incluindo seis Oscars, e sofrido com as críticas ao inconsistente Nine onde os números musicais deveriam alinhavar uma trama que apesar do argumento metalinguístico, um cineasta com bloqueio criativo que busca inspiração nas mulheres que de alguma forma marcaram sua vida, revelou-se um videoclipe megalomaníaco. Nesta nova incursão no gênero, o diretor procurou se ater mais ao script original e a cantoria é parte imprescindível da narrativa substituindo vários diálogos, um tipo de armadilha que o longa supera graças ao carisma do elenco.

Os primeiros minutos são dedicados a apresentação dos personagens principais e suas motivações para se aventurarem na floresta cerrada e sombria. No entrecho principal e que sustenta as demais ramificações do enredo temos um humilde padeiro (James Corden) e sua esposa (Emily Blunt) cuja felicidade só não é completa por nunca terem tido um filho. A visita repentina de uma vizinha que na verdade é uma bruxa (Meryl Streep) elucida o problema. Com problemas no passado com o pai do rapaz, um entrave envolvendo feijões mágicos que tirou sua suposta beleza e boa forma, ela enfeitiçou seu herdeiro com a esterilidade e ainda roubou sua irmã caçula. Rapunzel (MacKenzie Mauzy) foi criada pela feiticeira como uma filha, mas presa no alto de uma torre encrustada em meio a mata. Com segundas intenções, a malvada procura o casal propondo um acordo para terem o filho que tanto desejam. Eles devem lhe trazer uma vaca branca como leite, um capuz vermelho como o sangue, um sapato dourado e madeixas de cabelo amarelo como palha de milho, elementos para uma poção, na verdade uma estratégia do roteiro para alinhavar o plot de outras histórias. João (Daniel Huttlestone) é incumbido por sua ríspida mãe (Tracy Ullman) a vender sua vaca de estimação, mas a troca pelos tais feijões encantados e então a solução para sua vida paupérrima literalmente cairá dos céus. Chapeuzinho (Lilla Crawford) vai visitar sua avó levando doces, mas quem fica com água na boca é o Lobo Mau (Johnny Depp) que arma um plano para abocanhar as duas. Em paralelo, Cinderela (Anna Kendrick) deseja ir aos bailes promovidos pelo príncipe (Chris Pine) que deseja encontrar uma noiva, festejos promovidos durante três noites, mesmo período que o padeiro terá para conseguir os itens para reverter sua maldição. E assim as famosas histórias se encontram pelos misteriosos caminhos da floresta que parecem propositalmente traçados pela bruxa, mais uma boa performance de Streep que não por acaso conquistou sua 19º indicação ao Oscar, no caso como coadjuvante. Com seus dotes vocais já reconhecidos, a atriz se diverte na pele da vilã que não é pura maldade, mas uma personagem cheia de nuances e como a própria se define não é boa e nem má, apenas justa. Pena que com tantos personagens em cena ela não tenha tempo suficiente para mostrar todo potencial de sua criação, principalmente seu sarcasmo acionado no ato final. De qualquer forma ela deixou mais uma vez sua marca registrada, seu perfeccionismo, e é difícil imaginar que a cantora Cher poderia ter feito o papel caso a adaptação tivesse sido realizada no início da década de 1990 como era planejado. Blunt e Corden também se destacam com o bom entrosamento e coordenação musical, ainda que a conclusão leve os personagens a trilhar rumos que desconstrói o semblante apaixonado do casal e de certa forma anule todos os esforços que tiveram para ter um filho.

Mesmo não sendo muito explorado o conflito com sua madrasta (Christine Baranski) e suas meias-irmãs, Kendrick confere a doçura e fragilidade necessárias para compor sua gata borralheira, elementos que não são identificados na composição de Rapunzel que praticamente some do texto após a resolução de seu conflito que no caso envolve o outro príncipe da história (Billy Magnussen) que consequentemente tem sua participação reduzida. O rapaz só não passa despercebido por conta do cafona dueto que trava com seu irmão, ambos falando sobre a agonia de sofrer por amor, mas no fundo exaltando suas qualidades o que confere certa arrogância aos personagens. Agonia mesmo é para o espectador que tem de aguentar tal número repleto de exageros coreográficos e vocais. Depp, por sua vez, serve como mero chamariz já que sua participação é muito pequena, ainda que seja divertida. O desfecho de seu entrecho é abrupto e deixa a personagem de Crawford sem rumo, resgatada no fim sem muito a acrescentar. Por fim, o pequeno Huttlestone conquista com a pureza inerente a qualquer criança e cativa com sua determinação em manter seu animal de estimação, mas também solucionar os problemas da mãe. Marshall tem a perspicácia de pelo menos dar um momento de destaque para cada personagem, uma canção para se sobressaírem, mas passa longe do final apoteótico que o encontro de todos eles poderia propiciar. Roteirizado por James Lapine, autor da obra original em parceria com Stephen Sondheim, este último responsável pela versão teatral de Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, não é por acaso que muitos críticos viram na obra muito do estilo do citado Burton. Boa parte da equipe técnica já trabalhou com o gótico cineasta e trouxe ao musical características de seu trabalho, nada mais natural e que casou perfeitamente com as necessidades da produção. Claramente dependente da estética, efeitos visuais, direção de arte, figurinos e maquiagens são o ponto alto e reforçam às raízes teatrais do projeto que foram preservadas, inegavelmente uma escolha que impede que a narrativa flua com melhor cadência. Por vezes sentimos as situações se desenrolarem de forma truncada e o esquematismo para que tudo sopre a favor dos planos do padeiro e da bruxa gera certo desconforto. A sensação de que falta liga em vários momentos também pode ser explicada pela eliminação de várias sequências e canções do script original, passagens mais sombrias e polêmicas que necessitariam de tratamento mais profundo, algo que não casaria com o desejo de realizar um filme para toda a família. Com seu farto material de conhecimento universal e inúmeras possibilidades criativas, Caminhos da Floresta parece condensado ao extremo e suas ações em geral dependem do término de um conflito para o início de outro. Duas horas é pouco para o gigantismo da ideia, mas ainda assim este é um passatempo como poucos e onde o talento do elenco faz toda a diferença. 

Musical - 125 min - 2014

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