sexta-feira, 4 de junho de 2021

DO FUNDO DO MAR


Nota 4 Tubarões assassinos entram em cena em produção quase em estilo trash, mas fora de época


Na década de 1970 eram muito populares os filmes-catástrofes, produções cujo mote principal são tragédias como naufrágios, terremotos ou acidentes de aviões, mas Steven Spielberg, sempre à frente do seu tempo, com seu clássico Tubarão já antecipava uma tendência dos anos seguintes. As fitas estreladas por animais assassinos ou geneticamente modificados nem sempre encontravam espaço nas salas de cinema, mas bombavam nas videolocadoras, inclusive com muitos lançamentos do tipo exclusivos para abastecer tal mercado que faturou horrores com fitas trash. Produzido tardiamente, às vésperas da virada para o novo século e milênio, Do Fundo do Mar, dentro de sua proposta, é um filme correto, mas lançado na hora errada. Se fosse contemporâneo à onda de aranhas, cobras, crocodilos e outras tantas fitas que exploravam ao máximo aberrações da natureza ou o instinto selvagem de animais alterados em laboratórios, o trabalho do diretor Renny Harlin até que poderia ser um estrondoso sucesso. No entanto, em 1999, ano em que blockbusters calcados em efeitos especiais de ponta como Matrix, A Múmia e o retorno da saga Star Wars bateram recordes de bilheteria, quem se interessaria por uma história de tubarões superdesenvolvidos e assassinos? Os roteiristas Donna e Wayne Powers, em parceria com Duncan Kennedy, acreditaram que haveria público para tal filão.

A trama, bastante sufocante, tem como cenário principal uma estação submarina de pesquisas genéticas. Chefiada pela doutora Susan McAlister (Saffron Burrows), a equipe se empenhava no desenvolvimento de uma terapia para a cura do Mal de Alzheimer. A pesquisa visava ampliar a capacidade cerebral de tubarões através de intervenções da engenharia genética e o tecido encefálico alterado seria utilizado na criação de uma fórmula capaz de diminuir os efeitos da doença em humanos em estágio avançado de degeneração, como o próprio pai de Susan, esta que obviamente deseja mais que o reconhecimento profissional. A ideia central é interessante, mas o roteiro não abre espaço para discussões sérias sobre os prós e contras da pesquisa e tampouco trabalhar os pontos de vistas divergentes de entusiastas e céticos. O negócio é tocar o terror para amedrontar o espectador. O projeto científico cheio de boas intenções sofre com contratempos que já eram previsíveis. Os três tubarões que antes eram apenas cobaias acabam se rebelando desenvolvendo não apenas uma capacidade acima do normal de raciocinar, mas também sendo dotados de uma força e estrutura física incomum para a espécie. Eles passam a ameaçar a vida dos pesquisadores obedecendo seus instintos de caça, mas também visando fugirem do cativeiro. Justamente quando a estação recebe a visita de Russell Franklin (Samuel L. Jackson), um dos financiadores que iria avaliar a continuidade das pesquisas, uma série de problemas acontecem. 


Quando submetido ao procedimento para extração do fluido cerebral, um dos tubarões surpreende os cientistas com um violento ataque e a partir de então o filme se entrega a correria desenfreada e começa a contagem regressiva para ver quem sobreviverá. Uma forte tempestade e o incêndio provocado pela queda de um helicóptero de resgate complicam tudo mais ainda. Com a estação marítima inundada, os bichões levam vantagem nas perseguições e apesar das situações absurdas, com ataques coordenados e mirabolantes, eles parecem bem mais inteligentes que seus alvos como, por exemplo, o mergulhador Carter Blake (Thomas Jane), o suposto herói da fita. Aliás, os tubarões parecem atuar com bem mais credibilidade que o próprio elenco que se vê forçado a situações constrangedoras. Para alimentar os peixões e ajudar a rechear o filme com diálogos infames e estúpidas atitudes, estão à disposição o cientista-chefe Jim Whitlock (Stellan Skarsgard), o engenheiro Tom Scoggins (Michael Rapaport), o cozinheiro Sherman Duddley (LL Cool J.) e as auxiliares Brenda (Aida Turturro) e Janice (Jacqueline McKenzie). Infelizmente os personagens são apenas lançados na tela à mercê da própria sorte e não há embasamento emocional para nos importarmos com suas vidas, assim só resta o espetáculo da carnificina. Quanto mais violento os ataques melhor, assim deve ter pensado Harlin que é apenas um operário da indústria cinematográfica. Filma tudo quanto é roteiro que lhe apresentam, mas nenhum ganha sua assinatura estilística, é apenas mais do mesmo.

O citado clássico Tubarão fez e ainda faz muita gente suar frio sem praticamente exibir seu personagem-título, apoiando-se em trucagens de câmera e edição, além da icônica trilha sonora que se tornou sinônimo de pânico. Indo em sentido oposto ao do mestre Spielberg, Harlin não sabe sugestionar e tampouco fazer mistério a respeito do visual de seus vilões. Os tubarões são flagrados pela câmera com total riqueza de detalhes, assim exibindo que boa parte do orçamento certamente foi gasto com efeitos visuais, diga-se de passagem, de longe o que há de melhor nesta produção. Mesmo sem sutilezas a favor da tensão, o filme até tem seus momentos que prendem a atenção, porém, são sequências isoladas em meio a um roteiro insosso com ideias literalmente jogadas por água abaixo. Harlin, cujo trabalho mais significativo até então era Duro de Matar 2, além da preocupação em lidar com criaturas mecatrônicas e computação gráfica, também tinha o desafio de rodar boa parte das cenas em cenários parcial ou totalmente encobertos por água. Mesmo com as dificuldades, o clima tenso está sempre em alta, mas as cenas-clímax perdem força por conta das atuações forçadas e limitadas a gritarias, olhos arregalados e respiração ofegante. 


Fora a saída precoce de um dos atores de maior prestígio do elenco por conta do súbito (e até mesmo engraçado) assassinato de seu personagem, nada mais surpreende. O roteiro não vai além do jogo de caça de gato e rato, ou melhor, no caso de tubarões na cola de humanos, e desde o início facilmente identificamos quem irá sobreviver ao massacre. Seguindo praticamente as mesmas regras das fitas de seriais killers, os medrosos e principalmente os arrogantes são as primeiras vítimas, enquanto aqueles que demonstram valentia e bom caráter podem comer o pão que o diabo amassou, mas sagram-se vitoriosos a fim de protagonizar possíveis continuações. De fato, foram lançados capítulos tardios, mas todo o elenco original pulou fora da barca furada, assim como o diretor. Apesar dos problemas, Do Fundo do Mar pode ser lembrado como um projeto corajoso, afinal injetar tempo e dinheiro em um estilo de filme em franca decadência e restrito a uma pequena fatia de público é assumir um risco capaz de encerrar precocemente a carreira de qualquer cineasta. Harlin não parou de trabalhar, todavia, continuou construindo um currículo bastante duvidoso sendo seu maior mérito ter sido marido da atriz Geena Davis por cinco anos.

Suspense - 105 min - 1999

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Um comentário:

Unknown disse...

Do Fundo do Mar sempre dividiu opiniões,uns gostam e outros detestam,mas acho que é um filme que cumpre o que promete,tem um valor de entretenimento,faz homenagem ao clássico tubarão,e que tem uma história interessante,tem uma direção funcional,cenas memoráveis,o filme consegue trazer um suspense inquietante,é um excelente filme do gênero tubarão,e um dos últimos a trazer uma seriedade antes desse gênero ficar extremamente desgastado e sem peso.