segunda-feira, 21 de agosto de 2017

AMORES POSSÍVEIS

NOTA 8,0

A partir de um mesmo ponto de
partida, longa apresenta três versões
para o futuro de um casal em uma
narrativa envolvente e bem amarrada
O início da década de 1990 marcou a estagnação do cinema nacional, ou melhor, seu declínio, talvez sua pior fase. Empresas quebraram, o governo deu uma rasteira econômica nos produtores e os poucos filmes lançados foram finalizados a duras penas e provavelmente mais com o intuito de satisfazer o ego de seus realizadores. Público mesmo não esperavam. A segunda metade da década já foi marcada por um reaquecimento da indústria com produção mais regular, salas de exibição mais generosas e apoio para divulgação. A partir do ano 2000 as pessoas pararam de se envergonhar e começaram a assumir com orgulho: vou ao cinema assistir filme nacional! O mesmo acontecia com a ida às videolocadoras que então colocavam o acervo recente verde e amarelo em destaque, não mais escondidinho em um canto qualquer. Claro que para tanto a produção passou por uma recauchutada e os realizadores precisaram tentar se aproximar a um estilo mais hollywoodiano e Amores Possíveis é um bom exemplar. Não fez fortuna e tampouco levou multidões para as salas escuras, mas representou um salto qualitativo, tanto narrativo quanto de parte técnica. A trama entrelaça três possibilidades de encaminhamento para o futuro de Carlos (Murilo Benício) e Júlia (Carolina Ferraz), que marcaram de ir juntos ao cinema em uma noite chuvosa, mas a moça não apareceu. A partir disso a diretora Sandra Werneck devaneia sobre o que aquele desencontro poderia ocasionar em suas vidas quinze anos depois. O rapaz poderia se tornar um respeitado advogado, mas levar uma vida acomodada ao lado da esposa Maria (Beth Goulart) e ficar balançado ao reencontrar seu amor do passado. Em outra versão, ele até teria casado com Júlia e se tornaria pai, mas assumiria ser homossexual e trocaria a esposa por Pedro (Emílio de Mello), um colega com quem jogava futebol. Por fim, a terceira ideia seria a de que Carlos se tornaria um mulherengo dependente da mãe (Irene Ravache) evitando qualquer relacionamento sério até reencontrar a paquera do cinema através de uma agência de encontros acreditando de fato ela ser a mulher da sua vida.

Embora não seja continuação ou busque alguma ligação, Werneck começa este romance de onde encerrou a trama de seu Pequeno Dicionário Amoroso, fita modesta que teve incrível repercussão quando lançada abordando o desenvolvimento da relação de um casal até seu rompimento. Os personagens aqui são outros, mais jovens e conectados com a plateia do novo milênio que estava prestes a começar, mas inicia sua trama justamente a partir da separação. Trabalhando novamente com a temática romântica e com um quê de produção hollywoodiana, a cineasta se dava ao direito de aperfeiçoar seu trabalho e ao mesmo tempo não passar em brancas nuvens pelos cinemas, chegar ao público que almejava sem grandes dificuldades, ainda mais se aproveitando do fato dos protagonistas na época de fato viverem um romance na vida real. A ideia de imaginar o que um simples ato de hoje implicaria no futuro já não era uma novidade, inclusive pouco antes havia sido lançado De Caso Com o Acaso no qual Gwyneth Paltrow se desdobrava para apresentar duas versões do destino de sua personagem e o alemão Corra Lola, Corra fez sucesso no circuito alternativo com seus vários desfechos para uma mesma introdução. Todavia, a maneira como um boa e velha ideia é executada faz toda a diferença e Werneck foi esperta ao filmar as histórias individualmente e não simultaneamente, assim evitou problemas com os atores misturando as personalidades de seus personagens e preservou a caracterização diferenciada. A edição caprichada entrelaça as três versões de forma fragmentada, mas jamais sendo algo confuso, graças também ao roteiro inteligente e sensível de Paulo Halm, escrito a partir de um argumento original da própria diretora e de sua filha, Maya Werneck Da-Rin. Inclusive o tema da homossexualidade é extremamente bem inserido, colocado com a naturalidade que deveria ser encarado no cotidiano. O filho de Carlos, interpretado por Alberto Szafran, não vive da mentirinha de que papai foi dividir o apartamento com um amigo e encara sem preconceitos tal relação.

O segundo longa-metragem da carreira de Werneck estreou com o respaldo do reconhecimento em âmbito internacional. Depois de ser vice-campeão no laboratório de roteiros do Festival de Sundance, a obra foi exibida em uma mostra paralela da própria premiação e saiu consagrada como melhor filme latino-americano, ainda que empatada com uma produção mexicana. O longa então exalava uma refrescante maturidade para o cinema nacional buscando inserir-se em um movimento em alta na indústria mundial: a dos filmes-mosaicos. Independente de ter apenas dois ou uma dúzia de personagens em destaque, produções do tipo exigem apuro técnico e concentração máxima da direção e dos intérpretes que devem ter em suas mentes toda a trama claramente definida tal qual o espectador deve compreendê-la. Obviamente, fica um pouco difícil manter o mesmo nível de qualidade e envolvimento nas três histórias. A do Carlos passional é sem dúvida a menos interessante, até porque Benício interpreta o tímido que já se acostumara a interpretar em novelas. Contudo, ele brilha como o marmanjo mimado que carrega nas gírias tipicamente cariocas, o ato que injeta humor ao longa, e mostra-se desenvolto na versão gay do personagem consciente da importância de tratar a temática sem estereótipos. Já Ferraz acaba sendo um pouco engolida pelo talento do parceiro, chamando atenção apenas com sua Júlia amargurada e preconceituosa por ter sido trocada por um homem. Enquanto o filho até sente falta do namorado do pai nos momentos das refeições, sua mãe faz recomendações do tipo que se ele for fazer xixi na outra casa tem que trancar a porta para não virar alvo de um pedófilo. Em paralelo, Ravache diverte-se inserida em uma trama que brinca com o famoso complexo de Édipo (o amor exagerado entre mãe e filho) e Mello compõe versões diferenciadas de homossexuais para cada um dos segmentos. Seja enrustido, assumido ou dando pinta sem pudor, o ator dá um show de interpretação. Apresentado em embalagem sofisticada, algo acentuado por sua trilha sonora com grandes nomes do passado da música popular brasileira aliados a novos talentos que surgiram em meados de 2000, Amores Possíveis fala sobre o equilíbrio entre o poder masculino e a força feminina em uma relação, discute o casamento enquanto instituição e dá voz ao coração ao versar sobre três formas de amar, além de explicitar o amor de Werneck por seu trabalho, pelo cinema.

Romance - 93 min - 2001

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