sexta-feira, 10 de novembro de 2017

O FANTÁSTICO SR. RAPOSO

NOTA 8,0

Diretor especialista em
temáticas sobre famílias
excêntricas leva seu olhar
crítico para a animação
Os primeiros trabalhos da marca Disney encantavam adultos e crianças com suas imagens coloridas à mão e histórias clássicas. Depois Hanna-Barbera driblou a falta de recursos recorrendo a técnicas que movimentavam o mínimo possível os personagens em cenários estáticos, geralmente figuras que cativavam o público mesmo tendo as vezes atitudes dignas de anti-heróis. O campo de animação então foi ampliado e os mais variados tipos de desenhos foram surgindo até que a animação totalmente computadorizada chegou para dominar o mercado do gênero no século 21, principalmente porque agora os espectadores mais velhos estavam até mais interessados em produções do tipo que o próprio público-alvo. Ainda bem que existem cineastas com crédito na praça para poderem inovar, ou melhor, recorrer as técnicas do passado para conseguir um resultado magnífico e original em um cenário onde a mesmice impera. Wes Anderson é bastante famoso entre os adeptos de produções alternativas e cults e construiu sua carreira em cima de uma temática constante: as relações familiares entre pessoas excêntricas e problemáticas. Sempre recrutando um elenco recheado de nomes famosos e talentosos, em 2009 resolveu inovar utilizando apenas as vozes dos intérpretes, como George Clooney e Meryl Streep, mas deixando a tela livre para as peripécias de personagens criados e movimentados através do stop-motion, a mesma técnica de animação com massinha dos sucessos A Fuga das Galinhas e A Noiva Cadáver. O diretor trouxe seu olhar dissecador e crítico, já conhecido por obras como Os Excêntricos Tenembaums e Viagem à Darjeeling, de forma mais branda para o simpático e inteligente O Fantástico Sr. Raposo, produção com uma plasticidade magnífica e chamativa, mas cujo conteúdo pode não entreter as crianças ou nem interessá-las. É curiosa a opção de Anderson em trabalhar com uma técnica quase em extinção e que seria estranha à sua filmografia, mas de certa forma faz sentido sua escolha. É comum em seus filmes os atores ficarem estáticos e com olhar paralisado como se esperassem uma ordem para se movimentarem. Na animação, os humanos são trocados por raposas que agem de forma estranha, mas ainda assim irresistível.

Baseado no livro de Roald Dahl, “Raposas e Fazendeiros”, hoje mais conhecido com o próprio título do filme, a obra nos apresenta a personagens que precisam oprimir o seu lado selvagem para poderem se adequar às regras da sociedade, ou seja, negarem a própria natureza. O autor, que também escreveu os textos que originaram Convenção das Bruxas e A Fantástica Fábrica de Chocolate, parece ter certo apreço por tipos que precisam vestir máscaras, reais ou imaginárias, para poderem conviver em meio a outras pessoas. Tal conceito vai de encontro aos propósitos de Anderson. A trama gira em torno do egocêntrico Sr. Raposo e seu clã composto pela esposa Felicity e o filho Ash. Eles vão morar em uma árvore localizada em uma colina onde têm como vizinhos o Coelho, o Texugo e a Doninha, entre outros animais, todos com suas respectivas famílias. Doze anos antes, Raposo prometeu à mulher que deixaria a vida de roubos de galinhas quando ela ficou grávida e desde então ele iniciou uma respeitável carreira de colunista de jornal, mas lhe faltava algo para ser totalmente feliz. Porém, a proximidade do novo lar com as propriedades de três ricos fazendeiros faz com que a vontade de voltar à antiga atividade venha com força total. O então respeitável chefe de família gosta da vida de crimes para sentir-se superior aos outros, mas acaba envolvendo inocentes em seus planos, inclusive o próprio filho, este que sofre com problemas típicos dos adolescentes e que tenta provar que pode ser tão bom quanto o pai ou o primo Kristofferson em tudo o que eles fazem. Boggis, Bunce e Bean, todos criadores de aves, cansados dos ataques, resolvem unir forças para cercar o bando de animais fora-da-lei, mas os bichanos são espertos e não vão se deixar abater. A adaptação tratou de delinear os personagens com mais densidade dramática, mas sem abandonar por completo suas características animalescas. Aqui os animais têm um comportamento bem mais racional do que os próprios humanos. Os bichos sabem se organizar em grupo para armar um esquema de assalto, traçar seus objetivos e não fogem dos instintos, mas os fazendeiros comportam-se de maneira quase irracional e têm como principal atividade o ato de comer em demasia como verdadeiros selvagens.

Desenhos com animais falantes e determinados têm aos montes, até mesmo com o tema roubar para se sustentar como visto em Os Sem-floresta, mas a diferença aqui é que os personagens têm mais conteúdo psicológico e emocional a ser trabalhado. Eles sentem ódio, tristeza, inveja, orgulho, inferioridade, entre outros sentimentos e reações característicos dos humanos. Embora o livro no qual se baseie seja uma obra destinada ao público infantil, talvez a humanização dos bichos acabe afastando a molecada, que pode repudiar até mesmo o visual, e interessando mais aos adultos. O roteiro escrito pelo próprio Anderson em parceria com Noah Baubach, o responsável pelo bem avaliado A Lula e a Baleia, outra produção acerca de assuntos familiares, preza pelos diálogos que flertam com o ingênuo e o sarcástico, mas não há nada de comprometedor no enredo, fora o fato que o filho de Raposo também entra para o mundo do crime em busca de uma palavra de aprovação do pai, o que pode gerar certo desconforto a quem assiste com crianças, mas no final vem a lição de moral para jogar panos quentes. Aliás, muitos consideram a inserção de cenas a respeito dos dilemas de Ash com as garotas e a inveja que sente do primo como forma de esticar o filme que mesmo assim foi concluído de forma bem curta, aproximadamente uma hora e meia de arte. Realmente essa trama paralela é desenvolvida com pouco afinco, mas nada que desmereça o trabalho de Anderson, ou melhor, de Mark Gustafson, o homem que realmente colocou a mão na massa e tratou de dar vida aos personagens e construir ambientações riquíssimas em detalhes e que ganham um toque especial e aconchegante com a opção de amarelar propositalmente as imagens. Houve uma polêmica na época do lançamento dizendo que Anderson coordenou praticamente todo o processo de produção através de indicações via email, o que desagradou alguns membros da equipe, porém, cinco anos em cima de um mesmo projeto não é brincadeira. Ainda bem que o resultado compensou. O Fantástico Sr. Raposo é uma boa e inteligente opção para se divertir e quem sabe tirar boas lições, pois, como é mostrado, animais e humanos invertem seus papéis, algo não muito diferente do que se observa na realidade. Em tempo: apesar de imprimir seu estilo e cacoetes desde o primeiro minuto, a conclusão o cineasta pinçou dos concorrentes moderninhos. Terminar uma animação com os personagens dançando um hit de sucesso e nostálgico não é lá muito original.

Animação - 87 min - 2009

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Um comentário:

renatocinema disse...

Adorei essa animação.

Boa crítica a sociedade que me lembrou, vagamente, A Revolução dos Bichos.


Manter hoje em dia, o respeito as técnicas do passado, é uma ótima forma de homenagear o cinema.