quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA (2003)

NOTA 8,5

Refilmagem de clássico de
terror mantém o espírito do
original e apresenta um
serial killer justificável
Em 1974, uma época repleta de violentos conflitos e muito sangue derramado no Vietnã, o diretor Tobe Hooper fez um dos mais inquietantes filmes do período retratando de forma escatológica e impactante a crueldade do ser humano. Com poucos recursos e utilizando elenco e equipe técnica amadora, o roteiro apresentava uma variação do antigo conflito entre civilização e loucura fazendo uma inteligente metáfora. Na trama, um grupo de jovens vai parar em uma estranha cidade no Texas onde acabam sendo perseguidos, mutilados e mortos por uma família desequilibrada cujo líder aparentemente é uma figura monstruosa. O que poderia ter se tornado um clássico trash acabou se tornando uma obra de referência para o gênero terror e até mesmo para o período. Quase três décadas depois, o mundo todo acompanhava quase que em tempo real pela TV e internet os confrontos entre as tropas americanas e os representantes dos exércitos de diversos países árabes, o que inspirou o produtor Michael Bay, especialista em lançar blockbusters, em mais uma vez trazer à tona a discussão sobre a irracionalidade que existe por trás dos conflitos armados usando uma produção de horror. Será mesmo? Era melhor que a resposta fosse sim. Quem sabe com essa pegada institucional a refilmagem de O Massacre da Serra Elétrica seria um pouco mais respeitada. Não é um trabalho excepcional, mas também está longe de ser o lixo que a crítica tratou de propagar, mas fazer o quê se a própria distribuidora tratou de manchar a imagem filme marcando e remarcando sua estreia no Brasil por quase dois anos. Assim, quando estreou, rotular este produto como descartável era praticamente inevitável. Todavia, ao mesmo tempo em que esta produção é um caça-níquel óbvio, ela de certa forma acaba prestando uma homenagem ao original. Bem, só o fato de ser divertida, manter o clima de tensão constante e ter um vilão digno já basta para dizer que pelo menos este remake não estraga a reputação do longa que o inspirou visto que antes deste trabalho alguns outros tentaram lucrar em cima da imagem do assassino conhecido como Leatherface (cara de couro), inclusive um dirigido pelo próprio Hooper se divertindo tirando um sarro de seu longa mais famoso. O diretor Marcus Nispel, experiente na área de videoclipes e que futuramente também seria o responsável pelo remake de Sexta-Feira 13, sabia que tinha um grande desafio pela frente lidando com uma obra cultuada, com um terror cru e realista, mas conseguiu captar a essência deste material com perfeição e imprimiu um ritmo de adrenalina para conseguir captar a atenção das novas plateias afinal de contas apenas o som potente de uma motosserra ou um pouquinho de sangue aqui ou ali não seria o bastante para satisfazer um público que cresceu assistindo a horrores bem mais viscerais, tanto ficcionais quanto reais.

A introdução adota um estilo documental. Imagens em preto-e-branco de fotos, recortes de jornais e um vídeo investigativo da polícia sobre um massacre tratam de colocar o espectador em contato com o clima de tensão. Em seguida a narrativa volta no tempo para acompanhar o pesadelo que se tornou a viagem de um grupo de jovens pelo Texas. No meio do caminho eles encontram uma garota perturbada pedindo socorro e que acaba se suicidando dentro do carro deles. Ao tentarem pedir socorro na cidade mais próxima, esta turma não tem ideia da armadilha em que caíram. Um a um, todos passam a ser vítimas de Leatherface (Gunnar Hansen), um maníaco descontrolado que usa uma horripilante máscara feita de couro humano e esquarteja corpos usando uma motosserra. Apesar de ele ser um homem ameaçador em todos os sentidos, Erin (Jessica Biel), uma das jovens em perigo, descobre que os poucos habitantes daquela desértica região não sentem medo dele, o que denuncia que há algo muito estranho acontecendo por lá. Por este resumo não é difícil imaginar o que acontece durante todo o filme. Correria, gritos de agonia, respirações ofegantes e muito sangue, os ingredientes básicos de um filme de serial killer. A diferença é que aqui temos mais um instrumento de tortura: o som arrepiante e inesquecível da serra elétrica. Por outro lado, uma das cenas mais marcantes do original foi limada do remake: o jantar antropofágico (gente comendo carne humana). É certo que os tempos eram outros e provavelmente esta obra devia ter algumas mensagens subliminares em seu texto, mas elas se perderam no tempo, assim como o frisson de que o filme fora baseado em um fato verídico. Na realidade existem indícios que a inspiração seria um perturbado mental que não superou a morte da mãe com quem era muito apegado. Como forma de compensação, passou a atrair mulheres à sua casa, embora não fosse atraente, e vitimá-las usando moto-serra ou qualquer outra ferramenta de corte, guardando como lembrança restos dos corpos como dentes, cabelos e unhas. Daí para a tal história do massacre de jovens fez-se valer o ditado que diz que quem conta um conto aumento um ponto. Outros já acreditam na hipótese de que realmente um homem deformado vagava pelas regiões mais afastadas dos EUA e promovia verdadeiras chacinas quando visitantes indesejáveis invadiam seu território. Também há quem diga que a polícia chegou a assassinar um mascarado do tipo, mas que os moradores locais afirmavam que era o homem errado e que a onda de assassinatos continuava. Boatos verdadeiros ou não, o fato é que o grandalhão Leatherface inaugurou uma nova era no cinema na qual os monstros dos filmes de terror eram mais realistas e muito mais perversos, porém, o uso abusivo desse arquétipo com o tempo acabou gerando os seriais killers indestrutíveis. Podemos citar como alguns de seus discípulos Hannibal Lecter, o famoso canibal de O Silêncio dos Inocentes que é uma variação com mais classe do vilão. Michael Myers de Halloween é mais uma versão sanguinolenta do assassino. Por fim, para comprovar que nada é impossível, Wolf Creek – Viagem ao Inferno mostrou que em uma região desértica da Austrália existiu sim um assassino psicótico aterrorizando turistas desavisados.

Dá para perceber que o vilão deste filme é um dos mais interessantes que o cinema já criou, embora sua imagem com o tempo tenha virado motivo de chacota. Era justamente esse o desafio de Nispel e do roteirista Scott Kosar.  Como fazer para este clima setentista de horror e perturbador ainda ter validade em pelo século 21? Colocar o vilão como um parente distante de Osama Bin Laden? A dupla acabou decidindo por descartar as possibilidades de ligar o enredo a algum problema histórico, mantendo-se fiel ao contexto sociológico da trama, até porque não há menções da época em que a trama se passa, embora a estética e alguns elementos cênicos remetam aos anos 70. Leatherface na realidade é uma vítima do meio em que foi criado. Nascido com deformidades na face, ele cresceu em meio a uma rude e esquisita família que não lhe ensinou os princípios básicos para que pudesse viver em sociedade. Tais explicações não são oferecidas mastigadas ao espectador, mas é fácil deduzir que tipo de educação foi dedicada ao vilão a julgar pelas atitudes das pessoas que o cercam. Considerado um monstro fisicamente, ele foi instruído a odiar a sociedade que mede o valor de uma pessoa pela maneira de se vestir ou beleza, assim, qualquer um que pise em seu território é considerado uma ameaça e está com seu triste fim traçado. Curiosamente, as explicações sobre o passado do personagem não são esmiuçadas aqui, mas foram abordadas em um filme-prólogo lançado cerca de quatro anos depois mantendo parte do elenco original e este sim recorrendo ao contexto histórico envolvendo o Vietnã para tentar sustentar uma história que nada mais é que um novo banho de sangue. Muitos podem acusar o remake de ser fruto de oportunismo e que é um remendo de filme, mas provavelmente quem diz isso é porque ainda deixa que o preconceito dirija seus pensamentos. Nispel não fez história como Hooper, mas tampouco achincalhou o original. Com boa dose de adrenalina e excelente edição e fotografia, o diretor conseguiu criar uma atmosfera horripilante e digna. A ideia do longa, resumidamente, é mostrar corpos sendo esquartejados, mas aqui temos certo capricho para construir o clima de tensão e mostrar a matança propriamente dita. Outro ponto positivo é o elenco. Embora boa parte dos atores fossem bem jovens e desconhecidos (Jessica Biel apareceu para o grande público aqui), as interpretações são bem acima da média e dá até para sentir a dor que os mesmos sentem quando estão em perigo. O tempo passou, mas esta versão de O Massacre da Serra Elétrica continua sendo um título que desperta curiosidades. A quem se interessar a assistir a dica é esquecer a obra setentista e focar a atenção no que está em cena para tirar o melhor proveito. Ah, preste atenção na última imagem que aparece de Leatherface sozinho em uma estrada deserta. O pôr-do-sol da cena original foi substituído por uma ambientação noturna e chuvosa, mas o impacto é o mesmo. Uma cena triste e perturbadora. O que vemos é um ser marginalizado que está fadado a alimentar ódio, espalhar o terror e viver sozinho ou com a companhia de outros excluídos da sociedade. Quem disse que filme de terror não tem conteúdo?

Terror - 98 min - 2003 

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Um comentário:

Rafael W. disse...

Bem fraquinho, mas o que veio a seguir é beeeem pior.

http://cinelupinha.blogspot.com/