segunda-feira, 22 de junho de 2020

DE CASO COM O ACASO


Nota 6 Longa aborda como pequenos detalhes cotidianos podem fazer ou não diferença no futuro


Nem a publicidade adicional do fato da atriz Gwyneth Paltrow ter ganho o Oscar por Shakespeare Apaixonado ajudou. Contemporâneo ao premiado épico, De Caso Com o Acaso estreou um pouco antes e teve um lançamento um tanto modesto, algo como vamos estrear nos cinemas para algumas pessoas saberem que o filme existe e depois procurarem para assistir em casa, prática comum das distribuidoras nos tempos das videolocadoras. Bem, de fato, este romance se adapta melhor ao aconchego do lar com sua trama simpática, clima agradável e nada mais que chame atenção. Nem os vários prêmios, um tanto controversos, diga-se de passagem, da loira ajudaram a a gerar interesse do público nesta produção. No Brasil, o longa passou em brancas nuvens, afinal para o país o ranço com Paltrow perdura até hoje sendo alvo de discussões o fato da Academia de Cinema ter preterido a emotiva interpretação de Fernanda Montenegro em Central do Brasil.

Picuinhas à parte, o fato é que o longa dirigido e roteirizado por Peter Howitt não merecia o ostracismo por conta da repulsa do público e crítica à sua atriz principal. A trama tem um ponto de partida interessante e reflexivo: pequenos acontecimentos do cotidiano podem alterar drasticamente nossos destinos? Paltrow vive Helen, uma jovem que certo dia levanta da cama com o pé esquerdo. Ela era relações públicas de uma conceituada empresa, mas da noite para o dia perdeu o emprego graças aos seus excessos na vida pessoal que começaram a atrapalhar em sua rotina de trabalho. Voltando mais cedo para casa, ela perde o metrô ao trombar por acaso com uma garotinha. O que poderia acontecer na vida da moça caso tivesse conseguido embarcar naquele vagão? E caso entrasse no próximo? O enredo então passa a se alternar nestes dois distintos caminhos. A deixa é um efeito visual como se rebobinasse alguns poucos segundos do dia da protagonista, mais especificamente quando descia uma escadaria. 


A partir de então, em uma possibilidade, Helen pegaria o primeiro metrô, onde conheceria o carismático James (John Hannah), e chegaria em casa mais cedo surpreendendo o namorado Gerry (John Lynch) a traindo com Lydia (Jeanne Tripplehorn), sua ex. A outra hipótese é que ela poderia perder a condução e ser assaltada, indo parar no pronto-socorro e assim dando tempo de chegar em casa sem flagrar o companheiro com outra, embora existam algumas evidências que ele deverá esconder para ela não desconfiar que alguém esteve no apartamento. As duas versões da rotina de Helen são desenvolvidas paralelamente. Na primeira ela abandona Gerry e inicia um romance com James que a incentiva a ter um negócio próprio. Na outra ela trabalha como garçonete para sustentar também o namorado que supostamente está concentrado em escrever um livro, mas na realidade aproveita o tempo que fica sozinho para continuar o relacionamento com Lydia. 

A estreia de Howitt, tanto como diretor quanto como roteirista, vai bem até a apresentação dos conflitos, mas o desenrolar deixa a desejar pelo ritmo morno e sem novidades. O seu principal pecado é ser tendencioso e direcionar o espectador de imediato a escolher qual deve ser o final feliz da protagonista. O personagem de Lynch nas duas interpretações dos fatos é retratado como alguém repugnante, acentuadas características como egoísmo, fraqueza e embromador, e suas conversas com Clive (Paul Brightwell), nas quais confidencia seus sentimentos e ideias, são improdutivas visto que o amigo as escuta com sarcasmo. Dessa forma, automaticamente nos vemos torcendo para que o romance de Helen e James, que também participa da outra trama paralela, dê certo, embora ele também tenha um segredinho que pode decepcionar a moça. Contudo, o carisma de Hannah compensa a falta de sensibilidade de Lynch que não consegue definir um perfil ao seu personagem. Ora desperta raiva com seu cinismo e ora nos faz ter até pena de tão patético que é. 


Já Paltrow compõe duas personagens com sutis nuances para diferenciá-las, embora para facilitar o diretor tenha preferido inicialmente demarcar as diferenças através do uso de um esparadrapo na testa em uma das versões de Helen e na outra com um corte de cabelo curtinho servindo como referência, o que infelizmente depõe contra a atriz que repete a expressão blasé nas duas tramas. De Caso Com o Acaso acaba ficando em cima do muro em seu propósito inicial. Aceita a teoria de que pequenos detalhes do cotidiano podem sim influenciar o curso de uma vida, mas também não descarta a ideia de que nossos destinos já estão traçados e que o que chamamos de acaso já seriam fatos previstos. Um romance água-com-açúcar, mas que tinha potencial para uma obra reflexiva.

Romance - 94 min - 1998

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